"Estou a fazer `stock´ para casa porque se o Venâncio Mondlane [candidato presidencial que contesta os resultados eleitorais] falar não sei quando é que as lojas estarão novamente abertas", explica à Lusa a moçambicana Maria Regina, momentos após deixar o principal supermercado do bairro de Mavalane, na periferia da capital, Maputo.

Mondlane, que no domingo disse que o povo se devia "preparar para tempos difíceis", contesta os resultados apresentados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) na quinta-feira, dando a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), no poder, com 70,67% dos votos.

No princípio, Mondlane convocou uma "paralisação geral", mas, após o assassínio de Elvino Dias, seu advogado, e Paulo Guambe, mandatário do partido Podemos, que o apoia, chamou os seus apoiantes às ruas, dando-se, assim, o início a confrontos entre manifestantes e a polícia em vários pontos do país, com feridos e detidos, além de lojas fechadas.

"A revindicação é justa, sobretudo para os meus filhos e netos. Para que pelo menos mude alguma coisa. Para mim, eu sei, já não há nada", declara Maria Regina,57 anos, admitindo, no entanto, que teme que a situação arraste o país para o "caos".

Na rua, apesar dos esforços das autoridades municipais para repor os danos, pedras e vestígios de pneus queimados em quase todas avenidas ainda mostram a magnitude dos confrontos, com algumas lojas e outras infraestruturas danificadas.

Na periferia de Maputo, as opiniões sobre os protestos são diferentes, mas a indefinição sobre o que vai acontecer nos próximos dias é coletiva, numa sociedade em que a maioria depende da rua para sobreviver.

"Estamos a pedir espaço para trabalhar porque não temos nada para comer em casa. Nós já fizemos a nossa parte, eles agora que façam a parte deles", declara Dércia Isaías, uma comerciante informal que vende mariscos e que se queixa de avultados prejuízos desde o início das manifestações.

Como Dércia, Cacilda Muthisse, que vende comida no mercado de Xiquelene, também pede que os "chefes se entendam", lembrando quem são as principais vítimas dos confrontos da semana passada.

"Desde quinta-feira nós não estamos a trabalhar pelos receios. O gás lacrimogéneo que foi disparado chegou à minha casa e muitas crianças até desmaiaram e nós nem estávamos na manifestação. Ninguém gostou do que aconteceu", frisou Cacilda.

Em linha contrária, ainda em Xiquelene, o motorista moçambicano Francisco Macuacua considera que mesmo se fosse para paralisar o país por um ano "lutar pela democracia é legítimo".

"Ainda que seja para ficar um ano em casa, vai valer a pena. Não estamos a lutar por nós, mas sim pelas próximas gerações. Temos por ai 45 anos de idade, nascemos e vivemos com a Frelimo a cuidar de nós, mas cuidou muita mal e agora queremos um novo pai", afirmou Francisco Macuacua.

Além de Mondlane, também o presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, atual maior partido da oposição), Ossufo Momade, um dos quatro candidatos presidenciais, disse que não reconhece os resultados eleitorais anunciados pela CNE e pediu a anulação da votação.

O candidato presidencial Lutero Simango, apoiado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM), recusou igualmente os resultados, considerando que foram "forjados na secretaria", e prometeu uma "ação política e jurídica" para repor a "vontade popular".

O anúncio dos resultados pela CNE desencadeou violentos protestos e confrontos com a polícia em Moçambique, sobretudo em Maputo, por parte de manifestantes pró-Venâncio Mondlane.

O Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização não-governamental moçambicana que monitoriza os processos eleitorais, estima que dez pessoas morreram, dezenas ficaram feridas e cerca de 500 foram detidas, no contexto dos protestos e confrontos durante a greve e manifestações de quinta e sexta-feira.

*** Estevão Chavisso (texto), Fernando Cumaio (vídeo) e Luísa Nhantumbo (fotos), da agência Lusa ***

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