
A migração humana durante a última Idade do Gelo pode ter influenciado a disseminação da levedura, de acordo com um estudo publicado na Molecular Ecology.
Os humanos domesticaram o fermento de padeiro já em 7000 a.C. para fazer pão, cerveja, vinho e saké. No entanto, variedades selvagens da mesma espécie de levedura também vivem nas árvores.
Estas leveduras domesticadas e selvagens têm diferenças genéticas, mas os investigadores da Universidade da Geórgia (UGA), nos Estados Unidos, quiseram explorar possíveis ligações entre ambas.
"Outros estudos estavam apenas a começar a mostrar que o fermento de padeiro nas florestas é diferente, e alguns dos meus próprios trabalhos na Europa mostraram que as populações florestais eram diferentes das domesticadas", frisou Douda Bensasson, autora correspondente do estudo e professora associada do Departamento de Biologia Vegetal da UGA, em comunicado.
"Mas queríamos ir mais fundo e caracterizar os diferentes grupos na América e na Europa", apontou, citada na quarta-feira pela agência Europa Press.
Os investigadores extraíram e analisaram o ADN da levedura encontrada. De seguida, usaram esses dados para comparar a sua composição genética em diferentes regiões.
"Estamos a observar subpopulações distintas dentro dos continentes", vincou Jacqueline Peña, principal autora do estudo e estudante de doutoramento no Departamento de Biologia Vegetal da UGA. "E estamos a ver que, embora inicialmente pensássemos que estas populações selvagens seriam diferentes, parece que não estão completamente isoladas da atividade humana", sustentou.
Uma “dualidade única”
Para conduzir o estudo, os investigadores da UGA partiram pedaços de casca de árvore e colocaram-nos em tubos selados. Utilizando um processo semelhante à produção de vinho para estimular o crescimento da levedura, analisaram o seu ADN para determinar quando é que os diferentes grupos se separaram.
"Esperávamos que estas fossem divergências antigas e que a levedura da floresta não tivesse nada a ver com os humanos durante todo este tempo", referiu Douda Bensasson. "Mas, para nossa surpresa, descobrimos que isto coincidiu aproximadamente com a última Idade do Gelo, que é mais ou menos a altura em que os humanos estavam a começar a cultivar os seus próprios alimentos e a espalhar a agricultura pelo mundo", acrescentou.
A coautora Jacqueline Peña, estudante de doutoramento do departamento, descreveu esta dinâmica como uma "dualidade única" em que existe uma estirpe de levedura selvagem e uma doméstica, mas ambas foram influenciadas de alguma forma pelos humanos.
Ao examinarem leveduras de diferentes regiões, Peña e Bensasson descobriram algo estranho: a levedura das regiões vinícolas do sul da Europa assemelhava-se à do sul dos Estados Unidos. Os seus dados sugeriram que a levedura foi trazida dos EUA nos últimos séculos. Os investigadores acreditam que isto pode ser devido à Grande Praga do Vinho Francês.
“Se os humanos transportavam micróbios há milhares de anos, pensem no que estamos a fazer agora”
Na década de 1850, os humanos introduziram acidentalmente uma praga de insetos na Europa, devastando as vinhas da região. Para salvar a indústria do vinho, os trabalhadores levaram videiras resistentes a pragas da América do Norte. Como não conseguiam fazer vinho com as uvas devido à fraca qualidade do fruto, enxertaram videiras europeias. Desta forma, a levedura que vivia nas videiras norte-americanas foi transmitida às suas congéneres europeias.
Estudar a levedura desta forma oferece uma perspetiva única sobre a forma como os humanos se moveram e interagiram com o ambiente.
"Se os humanos transportavam micróbios sem querer há milhares de anos, pensem no que estamos a fazer agora. Talvez estejamos a mudar todo o tipo de coisas sem nos apercebermos. E não sei se isso é bom ou mau, mas é um pouco preocupante que não tenhamos ideia do que estamos a fazer", sublinhou.