A entrega de uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal é o mais recente episódio da novela em torno da moção de censura ao governo de Miguel Albuquerque. A decisão do Chega fecha uma semana de avanços e recuos que terminou com o adiamento da votação para 17 de Dezembro. O partido de André Ventura tenta, agora, reverter o que ficou deliberado no plenário da Assembleia Legislativa e que permitiu ultrapassar o limite de oito dias parlamentares para a discussão da moção de censura prevista no regimento do parlamento.
Miguel Albuquerque entende que faz tudo parte de um número de circo e uma estratégia do líder do Chega para desviar a atenção da derrota que sofreu na República na negociações do orçamento de Estado. “O André Ventura quer é números de circo”, disse esta sexta-feira à margem de uma visita a uma exploração agrícola na Ponta do Sol e onde voltou a dizer que não se demite, nem está impressionado com os adversários que, com medo de perder os lugares de deputados, estão a engendrar governo sem eleições: “Essa ideia de arranjar chefes de governo tudo engendrado nas cadeirinhas do Parlamento tirem o cavalinho da chuva que eu não me demito em função disso.”
Não se demite, nem teme o que possa resultar da providência cautelar que deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal. O adiamento foi decidido no plenário pelos deputados. É certo que não teve o voto favorável de todos os partidos, mas isso não retira legitimidade. “Quem tem legitimidade para decidir no Parlamento são os deputados eleitos, eles é que representam o povo. Não me vai dizer que um juiz nomeado tem mais força política que os deputados eleitos. Eu acho que não”, afirmou Albuquerque.
Apesar das dúvidas sobre a legalidade do que foi deliberado no plenário do Parlamento regional, certo é que há também quem defenda que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal não tem competência para avaliar as decisões tomadas por órgãos políticos e eleitos por sufrágio popular. Ao Expresso, Guilherme Silva entende que, a acontecer, terá que ser o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a decisão. “Não pode ser um tribunal comum a avaliar o que é decidido num órgão político, isso não existe. É mais um número do Chega. Os tribunais aceitam todos os requerimentos e todos os papéis, mas o mais certo é o juiz declarar que não é competente para apreciar a providência cautelar”.
“Violação grosseira do regimento”, aponta politóloga
Já politóloga Teresa Ruel considera que a situação política na Madeira tem vindo a degradar-se desde janeiro e realçou que o adiamento da votação da moção de censura contra o Governo Regional foi uma "violação grosseira" do regimento.
Em declarações à agência Lusa, a cientista política defendeu que o que se passa na Madeira é "um mau serviço à democracia" e um "degradar das instituições políticas", com vários elementos do Governo Regional constituídos arguidos e com a Assembleia Legislativa a protagonizar uma "violação grosseira" do próprio regimento.
Segundo a investigadora, desde janeiro, quando o presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, foi constituído arguido numa investigação sobre suspeitas de corrupção, que a "situação política na Madeira tem vindo a degradar-se e o próprio funcionamento das instituições tem sido alvo de alguma irregularidade".
"Desde que soubemos que Miguel Albuquerque foi constituído arguido (...) esse facto provocou eleições antecipadas em maio deste ano e, desde esse momento, a instabilidade tem sido a pedra de toque e tem caracterizado aquele que é o funcionamento do sistema político na Madeira e das próprias instituições", afirmou.
Teresa Ruel realça que o governo minoritário do PSD tem tido "dificuldade em encontrar consensos mais alargados" e, ainda que alguns partidos tenham contribuído para a viabilização do Programa do Governo e do Orçamento para este ano, o executivo liderado por Miguel Albuquerque "tem sido alvo de alguma crítica e de alguma instabilidade".
A investigadora apontou também que a constituição de quatro secretários regionais como arguidos em diferentes processos judiciais, assim como as críticas à gestão política do incêndio de grandes dimensões que assolou a Madeira em agosto, "adensaram aquela que já era uma situação frágil".
A apresentação da moção de censura pelo Chega, em 6 de novembro, foi, segundo a professora de Ciência Política, um "culminar de vários eventos" e de "vários episódios".
Entretanto, na quinta-feira, o parlamento da Madeira aprovou, em plenário, por maioria, um requerimento do presidente que valida uma decisão da conferência dos representantes dos partidos de adiar o debate da moção de censura para depois do Orçamento para 2025.
Teresa Ruel não tem dúvidas de que o regimento da Assembleia Legislativa "é claro" ao estabelecer que a moção de censura tem de ser votada até oito dias úteis após a sua apresentação, neste caso até dia 18 de novembro. "E, portanto, neste momento está uma confusão deliberada naquela que é a dimensão processual do funcionamento das instituições", apontou.
"A própria Assembleia [...] vai fazer um debate de um Orçamento Regional, submeter à votação, sabendo que no dia a seguir ou na semana a seguir terá uma moção de censura a ser discutida e que eventualmente poderá ser aprovada?", questionou.
A especialista nas autonomias regionais alertou também que se o tribunal der razão ao Chega, que entregou esta sexta-feira o recurso aos tribunais para reverter o adiamento da moção de censura, "todos os atos que foram praticados depois podem estar em causa, desde logo o próprio Orçamento".
"Portanto, está tudo em aberto. Nós não sabemos o curso dos acontecimentos nos próximos dias. Agora, aquilo que sabemos e que é factual, [...] é que existiu o não cumprimento e uma violação de uma regra e, por essa via, o próprio funcionamento das instituições bloquearam o próprio funcionamento da democracia", reforçou.
Sobre a posição de Albuquerque de que está legitimado e que venceu várias eleições nos últimos meses, tanto internas como as legislativas regionais, Teresa Ruel referiu que "a democracia eleitoral e as eleições são uma condição necessária para que a democracia funcione, mas não é uma condição suficiente", sublinhando que "um escândalo de corrupção [...] é um dos elementos que faz cair governos e ministros, menos na Madeira".
A confirmarem-se as intenções de voto divulgadas, a moção terá aprovação garantida com os votos de PS, JPP, Chega e IL, que juntos têm maioria absoluta. O parlamento conta ainda, além do PSD, com o CDS-PP (com um acordo com os sociais-democratas) e o PAN.
A aprovação da moção de censura implica a demissão do Governo Regional e a permanência em funções até à posse de uma nova equipa.