O juiz desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, Paulo Guerra, defendeu esta manhã, no I Seminário da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Ribeira Brava, que a adopção deve ser encarada como uma via legítima e plena de afecto para a construção de uma família. O magistrado sublinhou que adoptar é mais do que um acto jurídico: é um gesto de amor transformador que oferece às crianças em perigo uma nova oportunidade de felicidade.

“A felicidade não passa só pelos cordões umbilicais, pelas placentas, pela nossa biologia. As crianças não estão condenadas à tristeza, sobretudo quando estão em perigo”, afirmou.

Autor do livro A Estrela de Ava, dirigido ao público infantil, Paulo Guerra explicou que procurou traduzir, em linguagem simples, o que significa a adopção. “Foi a forma que tive enquanto juiz que trabalhei muitos anos nesta área de mostrar ao mundo que a adopção é um bom caminho”, deixando claro ao afirmar que a adopção em Portugal é, desde 2015, sempre plena. “A adopção é uma filiação substitutiva que é completamente equiparada à biológica. Em Portugal, desde 2015, deixamos de ter adopções restritas. Neste momento só temos adopções plenas. Quem adopta uma criança torna-a completamente filha dele. Não há filhos de primeira, de segunda ou de terceira”.

Apesar do progresso legal, Paulo Guerra alertou para as dificuldades práticas do sistema, nomeadamente no desfasamento entre os perfis das crianças disponíveis para adopção e os perfis pretendidos pelos candidatos. “Temos muita gente a querer adoptar, temos uma lista de crianças para adoptar, mas o problema é que às vezes não coincidem as duas realidades. As pessoas querem crianças pequeninas, caucasianas, com boa saúde. E às vezes temos crianças com mais idade, não caucasianas, e com problemas de saúde graves. E por isso essas crianças vão restando, vão ficando nos centros de acolhimento”, traçou o cenário.

O magistrado sublinhou que o que mais atrasa os processos não é a adopção em si, mas sim a fase da decisão judicial prévia: “O que demora não é a adopção, é a fase prévia, quando um tribunal diz que esta criança pode ir para adopção. A chamada adoptabilidade”.

Sobre o momento da decisão, foi peremptório: “É o momento mais feliz de um juiz. É só ouvir umas testemunhas que vêm dizer muito bem dos casais ou das pessoas que vão adoptar. Se a criança tiver mais de 12 anos, tem que dar o seu consentimento”.

Já quanto ao momento de ruptura com os pais biológicos, reconheceu a dureza da tarefa. “O problema é o antes, é quando temos que dizer aos pais biológicos: acabou. Basta. O laço biológico já não é suficiente para dar aquilo que o teu filho precisa, ternura, firmeza e bom trato”, referindo que ainda que o conceito de família deve ser alargado. “Família pode ser uma pessoa casada ou uma pessoa solteira. Já é possível a adopção por casais homossexuais em Portugal”, recordou.

Referindo-se ao período de pré-adopção, explicou que é uma fase sensível. “Abre-se um período de seis meses para ver se está tudo bem. É nestes seis meses que às vezes há as chamadas devoluções. Parece um termo cru, mas é aquela ideia de que pensávamos que poderia ser o casal certo, e percebemos que não. E aí é bom fazer o corte logo. O grande problema é quando a devolução acontece depois da adopção”, precisou.