João Costa cresceu numa família católica de classe média, em Setúbal, com os pais, os três irmãos mais velhos e a avó. Mas as desigualdades sempre o incomodaram. Nos anos 70 e 80 assistiu à miséria à porta de casa. Teve colegas que não comiam, viviam em barracas de zinco e alguns chegaram mesmo a prostituir-se para sobreviver.

Isso terá moldado o olhar empático do atual diretor da Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva que, desde cedo, sentiu a responsabilidade de contribuir para mais justiça social, igualdade e inclusão na sociedade.


Nuno Fox

João aprendeu a ler sozinho e sempre soube que queria ser professor. Em pequeno preferia os dicionários à bola e por isso nunca foi de dar pontapés na gramática.

Durante a infância e adolescência metia-se em tudo: nos escuteiros, no teatro, nas manifestações, fez rádio no tempo das rádios-pirata... e tantas outras coisas.

Na verdade, João conta nesta conversa em podcast que se envolvia em tudo quanto podia para estar ocupado.

E que as múltiplas atividades e o ‘workaholismo’ foram desde cedo um escape para uma depressão crónica que vem desses tempos.


Nuno Fox

Como se convive e se vai superando uma depressão que o acompanha há uma vida quase inteira?

E sobre isto chega a dizer: “O diagnóstico da depressão crónica com que tenho vivido veio tarde. Mas começou cedo, demasiado cedo. É um quadro muito solitário, porque há estigma, não se fala”.


Nuno Fox

Com um percurso feito na academia, enquanto professor catedrático de Linguística, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, João Costa foi parar à política sem nenhum passado nas Jotas.

Fez parte dos governos de António Costa, desde a Geringonça até ser nomeado Ministro da Educação em 2022, cargo que ocupou até 2024.

E apesar de não guardar saudades desses anos à frente duma pasta pesada, a Educação e de garantir que não quer fazer da política uma carreira, assume que o bichinho da política ficou em si.


Nuno Fox

E se no futuro o convidarem novamente para um cargo governamental?

“Não sei. Quando levamos alguns 'bofetadões' da vida aprendemos a não fazer planos. Quando temos muitas certezas, geralmente estamos equivocados. (…) Sempre tive interesse pela política e alguma participação no debate público, em algumas fases mais ligadas à minha área académica. Neste momento sou militante do Partido Socialista, mas não tenho funções nenhumas em órgãos nacionais.”

Outras questões são lançadas: Enquanto ministro da Educação, que erros não voltaria a cometer? O que tem pena de não ter feito? E de que mais se orgulha de ter assinado enquanto esteve à frente de uma pasta ministerial tão importante e complexa?

As respostas são dadas na primeira parte desta conversa, que começa por outro tema, o seu repúdio pelo facto do PSD e CDS-PP terem dado entrada de dois projetos de resolução na Assembleia da República a pedir que o Governo retire das escolas o Guia para a igualdade de género e inclusão nas escolas intitulado “Direito a ser na escola“.

Um guia lançado em 2023 quando ainda era ministro da Educação, com o objetivo de garantir no espaço escolar o respeito pela diferença e a prevenção de comportamentos de ódio, de segregação, de homofobia e transfobia.

O que faz com que o partido de Montenegro olhe para esse guia como uma ameaça?

E que desafios o país, a Europa e o mundo enfrentam nesta era de Trump que está decidido em retirar o seu apoio de todas as políticas de inclusão e diversidade? Estas posições ultra conservadoras poderão fazer escola e provocar o contágio de mais países?

Foi como desabafo e resposta “à falácia” dos que falam de um ataque aos valores da família tradicional, que João Costa lançou no final de 2024 o livro “Manifesto pelas Identidades e famílias - Portugal Plural”, pela editora Ideias de Ler.


Nuno Fox

Um livro urgente, necessário, profundamente empático e humanista, numa voz calma e lúcida para criar diálogo, dissipar zangas, ódios e preconceitos para quem o souber ler e escutar com atenção.

Uma obra que dá conta do tanto que avançámos enquanto sociedade democrática nestes 50 anos do 25 Abril mas que, simultaneamente, nos alerta para os perigos que andam por aí, e o lado mais horroroso, perverso, e profundamente mesquinho do ser humano quando se torna um ‘bully’, um agressor de alguém ou de uma comunidade inteira.

Em suma, um manifesto que ajuda a esclarecer muitas ideias enquinadas, e aponta para um mundo que não olha para o outro e para a diferença, como uma ameaça, ou o inimigo.


Nuno Fox

Perante este movimentos, estamos a avançar para trás na educação? O espaço escolar arrisca-se a ser um lugar de discriminação e bullying, se o guia “O direito a ser nas escolas”, for colocado na gaveta? O que importa fazer? E quem mais sofrerá com estas decisões?

João Costa vai a fundo na questão e defende o poder da educação e da arte para a inclusão, assim como o da escuta e do diálogo.


Nuno Fox

E sublinha neste podcast que “a escola neutra não existe”, nem nunca existiu. Mas que na educação importa ensinar sobre a sexualidade, sobre cidadania, sobre o respeito pelo outro, a pluralidade de identidades e os valores da igualdade.



Nesta primeira parte do episódio, o antigo ministro fala ainda da sua relação com a fé e, enquanto cristão, e católico praticante até há muito poucos anos, o que originou a profunda crise com a Igreja Católica.

E dá conta que a deriva clericalista, ritualista, moralista, desta instituição, associada aos abusos sexuais, às reações dos bispos e falta de empatia pelas vítimas, estará na base do seu afastamento. Como gere atualmente essa sua mágoa e fé?

João é ainda confrontado com uma pergunta desafiante da surpresa da líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, que não é de resposta simples. Boas escutas!

Nuno Fox

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Nuno Fox. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.