No frente-a-frente entre os dois não-candidatos a primeiro-ministro, Joana Mortágua (BE) e Nuno Melo (AD), partilharam as condolências à família de João Cravinho, que faleceu esta quarta-feira, e a recusa de comentar outra das notícias do dia - a averiguação preventiva do Ministério Público a Pedro Nuno Santos -, porque ambos queriam debater soluções para o país. Durante os restantes 29 minutos de debate, na RTP3, não mais estiveram de acordo.

O tema de arranque foi a habitação. A bloquista começou por criticar o adversário por, nos dois debates anteriores (em que substituiu Luís Montenegro), “parar o elogio à governação do PSD quando chega à habitação” e fê-lo porque, elencou, “os preços subiram quatro vezes mais em Portugal do que na zona euro" e "67% das pessoas pede ajuda e já corta na alimentação” para poder pagar a renda.

“O balanço da AD é uma desgraça que está a condenar a população à pobreza, com casas que as pessoas não podem pagar. O país já não aguenta a lenga-lenga da construção, do milagre das rosas. As pessoas não podem ficar à espera de um milagre. (…) É preciso baixar as rendas agora"

Na resposta, o centrista defendeu que “o problema tem a ver com a falta de oferta”, criticando o Bloco de Esquerda por “tira agora da cartola a medida do teto das rendas que foi em "1948 introduzida por Salazar, e não funcionou".

“Não funciona nem em Portugal, nem fora, por três impactos clássicos: os investidores que recorrem ao crédito deixam de poder pagar casas; deixam de poder reabilitar; e o parque da habitação e as cidades degradam-se. E isso, a prazo, afasta a classe média dos centros das cidades. (…) Se não construir nova habitação, não vai ter nada"

Joana Mortágua insistiu que não está em causa a nova construção, acontece que “vai demorar tempo e, entretanto, condena gerações à pobreza”, alertando que Portugal está em contra-ciclo com 17 países da OCDE e vários da União Europeia, com a Alemanha.

“Aquilo que o Governo do PSD tem para oferecer são mais quatro anos disto. Não é uma promessa é uma ameaça de despejo"

"Mais quatro anos disto e estamos todos na rua”, afirmou, sendo corrigida por duas vez por Nuno Melo: “É o Governo da AD, Joana, não faça confusões”. “Está aqui a dizer que é o Governo da AD, eu ouvi o hino da AD e o hino da AD é deixem o Luís trabalhar, esqueceram-se de si, não é deixem o Nuno e o Luís trabalhar. Esqueceram-se de si".

Efeito “montenegrização” vs “ideologia”

Sustentando que há uma aproximação do PSD ao Chega em tempos fundamentais porque “acha que para enfrentar a extrema-direita tem de aproximar-se dela”, e pelo caminho acaba por provocar um “desastre na habitação e na saúde”. Como exemplo, Joana Mortágua assinalou que no próximo fim de semana, o da Páscoa, 16 urgências vão estar fechadas, incluindo “urgências centrais que atendem centenas de pessoas, isso é a montenegrização da política”.

A propósito de Saúde, a bloquista lamentou que nenhuma voz se tenha feito ouvir no Conselho de Ministro “para pedir a demissão da ministra da Saúde que causou tal caos no INEM. (…) É a essa montenegrização que temos de apresentar uma alternativa”.

“Siderado” com as observações da adversário, Nuno Melo tirou do bolso as medidas tomadas pelo Governo “em 11 meses de vida”. “Hoje há mais médicos, linhas de apoio que tiraram 36 mil grávidas das urgências" - sendo interrompido pela observação da bloquista "em linhas estão fortes” - indiferente à tirada, o líder do CDS prosseguiu, com a redução de lista de espera para cirurgias, tempos máximos de resposta, etc.

“Tudo em 11 meses, quando se recebe a Saúde num caos, 11 meses depois os problemas estavam resolvidos, não se resolvem atirando ideologia para cima”, afirmou Nuno Melo, jogando o trunfo das “PPP's que foram extintas e que são responsáveis pelo agravamento da saúde por decisões ideológicas. (…) Em Braga, testemunhei a excelência de um hospital que vocês destruiram e deviam pedir desculpa por isso"

Paulo Portas, o convidado improvável

Se na saúde é muito os que separa AD e BE, a imigração não foge à regra. Coube à bloquista lançar o tema, acusando o Governo de “imitar a extrema-direita no discurso e para isso: mentiu - pela voz do ministro Leitão Amaro - e fez de conta que ia limitar a entrada de imigrantes, e vai continuar a fazer de conta". E, citando o antigo líder do CDS-PP, Mortágua questionou: “Quem vai servir à mesa, quem vai para as gruas da construção? Quem faz a entrega das compras online?”

“Quando até Paulo Portas percebe a necessidade que a nossa economia tem de imigração é preciso citar-se o bom senso. O que não se pode fazer é criar-se uma via em que vem por encomenda deixando para todos os outros a miséria da vida de trabalhadores que não se podem regularizar mas estão cá porque a economia os chamou”

O facto de citar Paulo Portas foi para Nuno Melo um sinal de que “nem tudo está perdido”, ironizou, acrescentando que “pode ser que veja a luz” mas garantindo à adversária que não o ouvirá a citar Francisco Louçã. Quanto à resposta, repetiu que a "questão não está na utilidade mas no humanismos.

"O resultado desta loucura, que pensa que pode vir toda a gente faz com que hoje tenhamos muitos imigrantes que vieram atrás de uma ilusão e acabaram na exploração e fome. (…) Por isso, o Governo acabou com esta história da manifestação de interesses" e, vincou, a dita via verde "é uma disparate", assegurou, esclarecendo que aquilo que o Governo da AD fez foi assinar "um protocolo com cinco confederações para que “cada uma tenha que garantir contrato, habitação, seguro, e processos em 30 dias. Onde o Bloco de Esquerda dá exploração, nós damos humanismo”.

Defesa ao cair do pano

Já sem tempo para falar sobre a pasta que tutelou, Nuno Melo socorreu-se de um gráfico sobre gastos na Educação, Saúde, Habitação e Defesa, e Joana Mortágua atacou, acusando o adversário de estar “em negação e isso é perigoso”.

“A NATO é controlada pelo melhor aliado de Putin, e só Nuno Melo é que não percebeu que os EUA e a Rússia aliaram-se para pilhar a Ucrânia. (…) O que não pode ser feito é uma alternativa europeia em cima de mentiras. A Europa gasta quase três vezes mais do que a Rússia, é uma ilusão e uma mentira de que estamos vulneráveis (…). O compromisso que a UE quer é gastarmos mais em armamento do que no orçamento da Educação”, acusou.

A fechar, na despedida de Nuno Melo dos debates, Joana Mortágua rematou: “Uma Europa que abdica do progresso social, do Estado social, para se dedicar a uma corrida ao armamento, é uma Europa em que Putin e Trump já ganhou”.