A capital da Geórgia tem sido palco de uma onda de protestos nos últimos dias depois do Governo ter decidido congelar, até 2028, as negociações de adesão à União Europeia.
Em Tiblissi, os protestos têm originado confrontos violentos com a polícia, tendo sido detidas, até agora, mais de 220 pessoas e hospitalizadas dezenas de outras. A resposta policial tem gerado críticas internacionais, com a UE e os EUA a condenarem o uso de força excessiva.
Mas a tensão tem vindo a aumentar nos últimos meses, com o partido no poder - o Sonho Georgiano - a ser acusado de seguir políticas cada vez mais autoritárias e pró-russas, aumentando o receio de que isso possa comprometer a adesão à União.
Mais recentemente, depois da vitória do Sonho Georgiano nas legislativas de 26 de outubro - eleição que a oposição alega ter sido marcada por irregularidades - o Governo anunciou a suspensão das negociações de adesão.
A decisão foi tomada depois do Parlamento Europeu ter adotado uma resolução que considerou as legislativas de 26 de outubro como não sendo livres nem justas.
Porque é que os georgianos saíram à rua?
A Geórgia tornou-se independente com a dissolução da União Soviética em 1991 e há mais de duas décadas que procura estreitar os laços com a União Europeia, tendo feito esforços significativos para conseguir a plena adesão.
Em dezembro de 2023, a UE concedeu à Geórgia o estatuto de país candidato, na condição de cumprir as recomendações do bloco, mas suspendeu a sua adesão e cortou o apoio financeiro no início deste ano, após a aprovação de uma lei de "influência estrangeira", similar a uma existente na Rússia e amplamente vista como repressora das liberdades democráticas.
E depois do duro 'golpe' do Parlamento Europeu ao considerar as legislativas de 26 de outubro como não sendo livres nem justas, o Governo georgiano viu-se obrigado a responder, suspendendo as negociações de adesão até 2028.
O Sonho Georgiano acusa a União Europeia de usar a perspetiva de plena adesão para os “chantagear” e “organizar uma revolução no país”.
“Decidimos não colocar a questão da abertura de negociações com a União Europeia na ordem do dia até ao final de 2028”, afirmou o primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze. “Além disso, recusamos qualquer subvenção orçamental da União Europeia até ao final de 2028.”
A decisão vai contra a vontade da esmagadora maioria da população. Segundo as sondagens, quase 80% apoia a entrada do país na UE. Em resultado, os manifestantes pró-europeus saíram às ruas.
A onda de contestação dura já há vários dias e conta com o apoio da Presidente Salome Zurabishvili, que considera o Executivo “ilegítimo” e defende novas eleições.
O que se passa nos protestos?
Milhares de georgianos pró-europeus têm protestado nas últimas noites nas ruas da capital, Tbilisi, e em pelo menos outras oito cidades. Os protestos têm gerado confrontos e uma resposta policial que tem sido considerada “excessiva”.
Junto ao Parlamento, erguem-se bandeiras da Geórgia e da UE e entoam-se gritos como “Escravos da Rússia”. As autoridades respondem com o uso de canhões de água e gás lacrimogéneo, havendo ainda relatos de espancamentos.
“Já vi muitos protestos na Geórgia: durante este Governo, no Governo anterior - também me lembro de alguns dos tempos soviéticos (...), mas esta agressão - contra idosos, jovens e mulheres - é inacreditável”, contou uma testemunha à CNN Internacional.
Desde o início dos protestos, já foram detidas 224 pessoas por "pequenos atos de vandalismo e resistência à polícia". Os dados são do Ministério do Interior. Há ainda a contabilizar pelo menos 44 pessoas hospitalizadas.
A Presidente da Geórgia afirma que a polícia está a visar “jornalistas e líderes políticos” e critica os “ataques brutais e desproporcionais contra o povo e os meios de comunicação social da Geórgia, que "fazem lembrar a repressão ao estilo russo”.
No domingo, António Costa, presidente do Conselho Europeu, juntou-se às vozes críticas, condenando a violência “contra manifestantes pacíficos” e manifestando o apoio da UE ao povo georgiano.
Que influência tem a Rússia?
O oligarca Bidzina Ivanishvili, fundador do Sonho Georgiano, antigo primeiro-ministro e uma das figuras mais influentes do país, é apontado como um dos principais responsáveis por conduzir o visível afastamento do país em relação ao Ocidente.
Tendo construído a sua herança bilionária na Rússia, país onde passou grande parte dos anos 90 no rescaldo do colapso da URSS, é acusado pelos partidos da oposição de ser leal a Moscovo.
O partido recusa, no entanto, qualquer ligação à Rússia. O primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, garante que o Sonho Georgiano continua empenhado na adesão à UE, justificando a suspensão das negociações como uma resposta à “chantagem e manipulação” da UE.
Vladimir Putin ainda não se pronunciou, mas Moscovo está a acompanhar de perto os eventos na Geórgia. O antigo Presidente russo Dmitry Medvedev escreveu mesmo no Telegram que está em curso uma “tentativa de revolução”.
A Geórgia está “a avançar rapidamente pelo mesmo caminho da Ucrânia, para o abismo”, escreveu, acrescentando que, “normalmente, este tipo de coisas acaba muito mal”.
Recorde-se que a Rússia invadiu a Geórgia em 2008 e mantém presença militar nas regiões separatistas de Abecásia e Ossétia do Sul.
O que se segue?
A Presidente da Geórgia, com poderes limitados, declarou o novo Parlamento inconstitucional, e espera uma resposta ao pedido que fez de anulação dos resultados eleitorais junto do Tribunal Constitucional.
As autoridades georgianas não conseguem acalmar o espírito dos protestos e a mobilização pró-europeia “não dá sinais de parar”.