Energia barata da Rússia, mão-de-obra barata da China, segurança barata dos Estados Unidos da América (EUA). E tecnologia aparentemente quase gratuita da América, também.

Como explicou Úrsula Von der Leyen, na apresentação da Bússola da Competitividade da União Europeia, a maior parte dos pressupostos da economia europeia dos últimos 25 anos entraram em crise nos últimos cinco.

Desde a Pandemia, depois do começo da Guerra na Ucrânia e após a reeleição de Donald Trump, a Europa já não quer ter produtos baratos made in China às custas de deslocalização industrial; já não quer depender de energias vindas de regimes adversários (seja a Rússia, hoje, sejam países árabes, ontem, sejam os Estados Unidos da América, amanhã, eventualmente). E, de novo, não pode confiar no interesse dos Estados Unidos em garantir a segurança europeia. Resumindo, o contexto internacional em que a Europa viveu praticamente três décadas ruiu em menos de cinco anos. E, agora, a União Europeia tem de se encontrar. O que não será fácil. Relatórios há muitos. Clareza, há pouca. Determinação, menos ainda.

Durante as últimas décadas, a União Europeia tinha como estratégica ser uma potência moral e regulatória. Influenciar pelas acções e pelos valores, e dominar pelas regras. Até chegou a ambicionar ser a economia mundial mais competitiva, baseada no conhecimento, até 2001 Não foi, nem é. E quis conseguir generalizar o “efeito de Bruxelas” como forma de contagiar as outras economias. Aconteceu, mas não com o sucesso suficiente.

A Estratégia de Lisboa, primeiro, e tudo o que se lhe seguiu, depois, deu alguns resultados, mas não deu os mais importantes. A Europa não lidera na economia que conta, não tem assim tanta influência regulatória global e, quando tem, isso não se transforma em vantagem económica. E, no entanto, tem um modelo social e económico invejado, de que os europeus não querem abdicar. E que tem custos.

Fazer a quadratura deste círculo, quando a China se torna mais competente e competitiva e os EUA menos interessados no destino dos europeus, não vai ser fácil. Mas terá de acontecer.

Perante as transformações em Pequim, em Moscovo e em Washington, a Europa quer recuperar capacidade industrial que, acredita, a globalização lhe retirou; quer estar mais segura e ter menos dependência energética de países não confiáveis, mas à mesma a baixo custo; e precisa de ser mais responsável pela sua segurança. Seja porque a ameaça (russa) é significativamente maior, seja porque a protecção americana é significativamente menor. Tudo isto implica a Europa repensar-se e redefinir-se economicamente. E terá de o fazer no actual quadro “constitucional” europeu. O que não será fácil, porque o acordo quanto às medidas necessárias é curto, o desacordo quanto aos desafios é grande, e a capacidade de diálogo e compromisso é bastante menor do que costumava ser.

A Comissão Europeia encomendou o Relatório Draghi. O Conselho, onde se sentam os governos nacionais, encomendou o relatório Letta. E, agora, a Comissão, empossada há menos de dois meses e meio, quer legislar para que a Europa seja mais competitiva, menos burocrática, mais sustentavelmente inovadora e estrategicamente autónoma. Tudo isto poderá fazer (algum) sentido. Mas está longe de ser consensual. Ou claro, sequer.

A Comissão Europeia pode acreditar que tem o mandato válido para legislar, mas nem o Parlamento, nem o Conselho, conseguem ter maiorias consistentes e alinhadas para pôr em prática as ideias de Von der Leyen. Ou as suas, se as tiverem. E, no entanto, a Europa terá de mudar. A questão é como. E para onde.

Nos próximos meses, os vários e legítimos grupos de interesse, nacionais e europeus, das empresas e sindicatos, às ONGs e outras partes interessadas, procurarão influenciar a agenda política europeia. E os decisores políticos procurarão aprová-la. Nada disto se faz com facilidade. Sem lideranças fortes e alinhadas na chefia dos governos dos principais Estados membros; sem margem orçamental para grandes investimentos (admitindo que esse modelo, proposto por muitos, é desejável); e sem uma estratégica de cooperação entre as principais famílias políticas no Parlamento Europeu, o mais provável é que o desenho da estratégia seja, apenas, uma boa ideia. Por concretizar.

A União Europeia chega a 2025 sabendo o que é, sabendo o que gostava de ser e, até, o que deveria ser. E sem capacidade óbvia de se transformar. É este o maior desafio. Como mudar, o que mudar, e como o fazer dentro dos limites constitucionais existentes? (Sim, porque ninguém com um mínimo de bom senso defende mais uma rodada de referendos.)

Para responder à China, se defender da Rússia e, finalmente o sonho francês concretizado, se afastar dos Estados Unidos, a Europa terá de saber que quer. Saberá? E, sabendo, consegui-lo-à? Muitos relatórios não chegam.