Montenegro violou os seus deveres, incumpriu a regra central de um líder político – ser transparente. Transformou o governo num biombo para os seus males, pôs ministros decentes a defenderem o indefensável, obrigou o partido a assumir os seus erros, o que demonstra a ausência de condições de probidade para tratar dos negócios do Estado.

O governo caiu, o país vai a eleições.

No mesmo dia em que Montenegro esbracejava no parlamento, crescia a arrogância de muitos dirigentes do PS, uma espécie de vitória garantida que os portugueses ainda não decidiram se lhes vão dar.

Estas eleições não são iguais a todas as que se viveram até hoje, a opção é entre transparência e opacidade, entre honestidade e falsidade. Tudo o resto será uma nota de rodapé.

Eu sei como funcionam os partidos. Os aparelhos pensam que conseguem impor-se, o que quase sempre acontece. Mas desta vez não pode ser assim.

Há cinco questões relevantes que o líder, se quer ser primeiro ministro, tem obrigatoriamente que observar.

  1. Exclusividade – Nas listas do PS não pode haver lugar para candidatos a presidente de câmara, a vereadores e a presidente de junta. Já devíamos ter decidido isso há muito, não misturar mandatos e obrigações políticas.
    O que tem vindo a acontecer é uma “localização” do debate político, uma progressiva desvalorização da obrigação de todos os parlamentares o serem como a Constituição o prevê – nacionais.
    Por outro lado, precisamos de especialistas em áreas relevantes do direito, em temas importantes da economia, mas a focalização do mandato parlamentar em áreas muito específicas, por vezes de nicho, não abona em favor da mundividência que a Assembleia da República deve comportar.
    Eu sei que há candidatos a presidentes de câmara que têm tarefas difíceis e que farão falta no combate, mas o tempo deve obrigar a que se regresse à política do serviço.
  2. Decência – A vida política portuguesa já tem casos em excesso. Podemos ter leituras diferentes implicadas pela proximidade ou pela amizade, mas os portugueses não querem saber nada disso. O caminho da promiscuidade na política começou com o BPN e a acabou, por agora, na Spinumviva. Convenhamos, temos de libertar o país da suspeição.
    O PS tem hoje uma responsabilidade enorme na escolha dos seus candidatos, na fiabilidade e na honorabilidade que transportam. Não se pode pedir mais a Montenegro do que se pede a cada candidato a deputado.
    Os atrevidos vão pôr a cabeça de fora, sempre acreditando que a verificação da sua idoneidade não lhes tocará. Isso é um erro que todos estes não devem cometer como o caso Hernâni Dias bem comprova.
    Cada candidato deve perguntar-se se tem partes socais de empresas em nome de amigos, se algum dia pediu empréstimos não justificados a amigos, se fez transitar dinheiro não declarado entre contas, se fez pagar encargos pessoais por carteiras de outros, se negociou interesses particulares a partir de informação privilegiada, se viajou à custa de fornecedores, se recebeu prendas em valor superior ao legalmente previsto, se contratou alguém para justificar um apoio político, se prejudicou outrem que lhe possa fazer a “folha” num primeiro momento, se atribuiu licenças fora do cumprimento da lei, se apresenta sinais que não sejam justificados pela sua origem, realidade ou rendimentos, se aceitou que amigos utilizassem o seu nome para beneficio próprio, se pediu dinheiro para campanhas fora do que a lei prevê…
    Identifiquei aqui um conjunto de situações a que poderia juntar mais umas dezenas. Mas não chega – o PS deve identificar, desde já, que o não cumprimento de obrigações de legalidade, de lealdade e de bom desempenho público obrigarão à saída imediata do parlamento e à direta expulsão do partido.
  3. Governabilidade – Parece muito improvável que se venha a consagrar uma maioria absoluta parlamentar por efeito da votação no Chega. É aqui que a clareza deve ser total.
    O PS deve garantir que viabilizará um governo da AD desde que este não coloque o Chega na equação. Porém, esse governo não poderá ser liderado por Montenegro, sob pena de termos um novo problema nos meses imediatos e consagrarmos uma situação semelhante à da Madeira. Não pode ser a salvação de um homem a determinar a instabilidade permanente de um país, mesmo que 30% dos portugueses possam votar na AD por partidarismo ou por considerarem aceitável o que o chefe do governo fez.
    Por outro lado, o PS exige que o PSD aceite um governo seu se ganhar as eleições, mesmo não havendo uma maioria absoluta de centro esquerda. Neste caso o PS deve garantir que governará sozinho sem acordos de legislatura com qualquer outro partido.
  4. Normalidade – O PS tem uma obrigação imediata – não ser acusado de ter ajudado a parar o investimento e a execução dos fundos comunitários. Ora, Pedro Nuno Santos deve deixar claro que a política que tem vindo a ser seguida não será alterada no que ao PRR diz respeito, que as equipas não serão substituídas só porque o governo muda de mãos, que os investidores devem acelerar os seus projetos e a concretização a sua execução.
  5. Mensagem – Nestas eleições o que os portugueses esperam não é crispação, nem acusações, nem palavras vulgares. Os termos cobarde, delinquente, mentiroso, desonesto, entre outros, só tiram votos e aumentam a abstenção.

Há uma só opção, como já referimos, a afirmação da transparência e da honestidade.

Porém, o PS tem de deixar de comer o eleitorado do BE e do PCP, não tem necessidade de os matar, como tem vindo a acontecer. Para ganhar estas eleições, o líder do PS tem de ser o amigo íntimo dos moderados, tem de deixar de esticar os braços, de nos implicar desconfortavelmente com a sua mensagem, de abandonar o dedo em riste, de nos impingir frases batidas, de falar no nós e eles, de nos colocar entre a direita e a esquerda. O líder do PS não pode ser o homem zangado que fala nas televisões, o líder solitário que não quer ouvir, um falante sem o resguardo do silêncio.

Pedro Nuno Santos é líder do PS e o passo seguinte é ser primeiro ministro e não continuar a ser o rosto da oposição com mais votos.

A superficialidade da estratégia política não pode ser aceite, a imagem política não pode ser um reflexo das manifestações na Praça Vermelha, os núcleos de pensamento e ação não podem ser constituídos por gente que pede licença para existir.

O país enfrenta um momento decisivo da sua vida democrática. Noutras ocasiões sempre teve um PS à altura das circunstâncias. Foi assim antes do 25 de Abril, no combate ao gonçalvismo, na aprovação da Constituição, na sua revisão em 1982 que nos fez democracia adulta, na normalização democrática decorrente da eleição presidencial de 1986, na adesão e aprofundamento da União Europeia, na consagração de um país de contas equilibradas e de credibilidade externa, na sagração de serviços públicos universais.

Todas as conquistas foram determinadas pelas gerações que nasceram antes de 1974. Está na hora de se comprovar que as novas gerações do PS sabem estar à altura da situação, que não são só o que aprenderam na JS e nos gabinetes ministeriais, que têm mundo, vida, autoridade, capacidade de gestão, liderança, conhecimento. Vão ser meses duros, mas importa que o líder do PS (que é meu amigo e é por isso que registo estas palavras) pense seriamente no que aqui partilhamos.