A reorganização administrativa do território português, que resultou na agregação das freguesias, foi uma das medidas impostas pela troika visando, aparentemente, a sempre aclamada e mui liberal eficiência na gestão de recursos.

A denominada «Lei Relvas» impôs uma redução significativa das freguesias, que passaram de 4260 para 3092. A verdade é que, 11 anos após a agregação das freguesias, a proclamada eficiência é incerta. A única certeza que temos é que muitas populações saíram prejudicadas por uma decisão arbitrária que não teve em conta a sua vontade nem a realidade dos territórios.

Os estudos e dados disponíveis não demonstram um impacto significativo nas contas públicas. Pelo contrário, várias análises sugerem que os benefícios esperados não se materializaram de forma robusta.

A título de exemplo, uma investigação sobre o Município de Serpa [1] revelou que a Reorganização Administrativa do Território das Freguesias (RATF) não gerou poupanças efetivas relevantes nem otimizou significativamente a eficiência, contrariamente ao esperado. Outros estudos indicam precisamente o mesmo: a redução do número de freguesias não representou qualquer aumento da eficiência na gestão dos municípios.[2]

O único impacto verdadeiramente significativo ocorreu no seio das comunidades locais. A agregação afastou cada vez mais as pessoas dos espaços de debate político. Enquanto anteriormente o Presidente da Junta era o seu vizinho, uma pessoa com a qual cresceram ou que viram crescer, com quem participaram nas mesmas associações ou grupos recreativos e partilharam laços identitários, a verdade é que essa ligação ficou comprometida, bem como a identificação histórica, cultural e social de muitas comunidades.

Para quem reduz o seu mundo a meia dúzia de ruas dos grandes centros urbanos, a questão da identidade comunitária pode parecer algo démodé, antiquado, obsoleto, ou mesmo possidónio, e percebo que seja difícil entender o sentimento destas populações, daí que considere que a arrogância universalista devesse procurar fazer algo mais do que reduzir a desagregação a um aumento de «tachos».

Este grupo fala de «tachos» nas freguesias em discussão, como se estivéssemos perante uma grande conspiração por parte dos partidos políticos com alguma representatividade territorial para que um grupo de pessoas passe a ganhar senhas de presença no valor de quase 15 euros, quatro ou cinco vezes por ano.

A desagregação é a oportunidade de corrigir um erro do passado, restaurar a proximidade entre a administração local e os cidadãos e cidadãs, e potencialmente melhorar a eficiência da gestão pública de uma forma mais alinhada com as necessidades e identidades locais. Embora possa implicar novos custos administrativos iniciais, a desagregação pode levar a uma distribuição mais equitativa e eficaz dos recursos, além de fortalecer a democracia local e a participação cidadã.

A Iniciativa Liberal foi o único partido a votar contra o relatório que aprovava 123 processos de desagregação de freguesias, enquanto os demais partidos votaram a favor, com exceção do Chega, que se absteve.

Estranho seria se a IL tivesse votado de forma contrária. Votar a favor da desagregação das freguesias seria um ato de contrição ideológico que a IL não está disposta a fazer. Seria assumir que, afinal, nem sempre é positivo cortar sem critério em nome de uma eficiência que nunca se materializa.

Pode ser que a IL tenha como resolução de Ano Novo abandonar este dogma. Falar com pessoas das freguesias desagregadas talvez possa ajudar nesse processo.

[1] Catarina Filipa Abraços Faquinéu et al., “Reorganização Administrativa Do Território Das Freguesias: Balanço Da Primeira Grande Reforma Territorial Num Portugal Democrático-Caso de Estudo Das Freguesias Do Município de Serpa (2013-2021),” n.d.

[2] Margarida Pereira et al., “Administrative Reform of Portuguese Civil Parishes 2013 Reflections from the Case of the Algarve,” Cidades, no. 47 (December 1, 2023): 140–57, https://doi.org/10.15847/cct.27923.