A aprovação pelo Parlamento Europeu, esta quinta-feira, da proposta da Comissão Europeia que visa “enfraquecer a proteção rigorosa do lobo”, ao abrigo da Diretiva Habitats, é fortemente criticada por quatro organizações não governamentais do ambiente (ONGA). Em comunicado, a coligação que junta a WWF UE, a BirdLife Europa, a ClientEarth, e o Gabinete Europeu do Ambiente, lamentam uma decisão que “marca um afastamento da elaboração de políticas com base científica no novo mandato da UE, estabelecendo uma tendência preocupante que pode ir muito para além do lobo”.

“Esta decisão é uma luz verde para abater lobos, dada com luvas brancas. Não se trata apenas de uma sentença de morte para muitos lobos, mas de uma ameaça para outras espécies protegidas em toda a Europa”, alertou Marta Klimkiewicz, da ClientEarth, no final de 2024. Na mesma linha, Sofie Ruysschaert, da BirdLife Europa, frisou que “a retirada da proteção aos lobos arrisca-se a anular décadas de progressos europeus em matéria de conservação”.

Os ambientalistas criticam as decisões de Bruxelas e de Estrasburgo por, em vez de investirem em medidas de coexistência entre humanos e vida selvagem, baseadas na ciência, seguirem uma narrativa política que torna a vida selvagem o bode expiatório de desafios sociais mais vastos.

Com 371 votos a favor, 162 contra e 37 abstenções, o Parlamento Europeu aprovou a redução do estatuto do lobo de “muito protegido” para “protegido” na União Europeia (UE). Esta alteração proposta inicialmente pela Comissão Europeia, liderada por Ursula Von der Leyen, (que reduziu o estatuto de proteção da espécie ao abrigo da Convenção de Berna) já tinha tido luz verde do Conselho Europeu. A partir de agora é permitida a gestão das populações deste carnívoro através da caça.

Um precedente “perigoso”

Os ambientalistas frisam que a retirada dos lobos da lista “não resolverá os desafios enfrentados pelas comunidades rurais, abre um precedente perigoso e molda decisões políticas pelo populismo em detrimento da ciência”. Apontam ainda a existência de documentos da extrema-direita e dos conservadores europeus que dizem “mostrar uma vontade de destruir ainda mais as leis da natureza, tal como a que está em curso contra o Pacto Ecológico Europeu”. E acusam a UE de “manobra política disfarçada, que ignora a ciência, alimenta a divisão e põe em risco um dos maiores sucessos de conservação da Europa”.

Reforçar a conservação de espécies e de habitats e restaurar ecossistemas são “o nosso melhor aliado contra as crises climática, de biodiversidade e de poluição”, sublinham as quatro ONGA. Estima-se que existam 20 mil exemplares de Canis lupus distribuídos por 23 países da UE.

O pónei de Von der Leyen

Tudo começou com uma proposta avançada por Ursula Von der Leyen, em setembro de 2023, na sequência de ter perdido um pónei num ataque de lobo. Na altura, a presidente da Comissão Europeia argumentou que “a concentração de alcateias de lobos nalgumas regiões europeias tornou-se um perigo real para o gado e, potencialmente, também para os seres humanos”.

Os cientistas e ambientalistas contrapuseram que, apesar de ter havido ataques de lobos a gado em algumas regiões, não há registo de qualquer ataque fatal a humanos na Europa nos últimos 40 anos. E um inquérito a habitantes rurais em vários países, revelou que mais de 60% apoiavam a proteção restrita dos grandes carnívoros, como ursos, linces e lobos.

Contudo, em setembro de 2024, a proposta para reduzir a proteção do lobo foi aprovada pelos Estados-Membros na reunião do Comité de Representantes Permanentes (Coreper). Portugal foi um dos que deu luz verde à proposta. Ambientalistas dizem que Portugal “terá cedido às pressões políticas da família política à direita e terá mudado a sua intenção de voto, contribuindo para a abertura de uma caixa de Pandora”. Na votação anterior, Portugal, Espanha, Estónia, Irlanda e Luxemburgo tinham votado contra. E a ministra do Ambiente Maria da Graça Carvalho tinha dito às organizações nacionais do ambiente que votaria contra. Perante a reviravolta, a ministra assumiu que o lobo ibérico iria manter o estatuto de proteção e que as medidas de apoio aos agricultores afetados por ataques de lobo se têm mostrado eficazes.