
Contra factos não há argumentos, diz-se. Em que medida a sabedoria popular está vertida na visão da violência doméstica das forças partidárias?
Facto. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), em 2024 verificaram-se cerca de 30 mil casos de violência doméstica. Destes, 25.919 contra cônjuge ou figura análoga, 1033 contra crianças e 3269 contra outros elementos da família. Seguindo o padrão que nos é tão habitual, 67.9% das vítimas são mulheres e 78.2% dos denunciados são homens.
Facto. Em 2024, houve 22 pessoas assassinadas no âmbito de relações violentas, 19 mulheres e 3 homens. Até maio de 2025, são já 7 as mulheres a morrer às mãos dos seus companheiros ou ex-companheiros.
Facto. De acordo com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), só no último trimestre de 2024, foram acolhidas 1420 pessoas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica (RNAVD). Destas, 51,2% eram mulheres e 47,1% crianças. No mesmo período, foram aplicadas 1236 medidas de coação de afastamento a agressores pelo crime de violência doméstica e integradas 2788 pessoas em programas para agressores. A 31 de dezembro de 2024, existiam 1019 pessoas condenadas por violência doméstica e cerca de 700 em diferentes etapas do processo judicial.
Quando a violência doméstica continua a ceifar vidas, a resposta política é absolutamente imprescindível.
Nos programas eleitorais, está vertido o enquadramento ideológico: PS, BE, PCP e Livre consideram a violência doméstica como uma consequência de desigualdades estruturais de género. A AD e IL assumem uma visão mais tecnocrática e centrada na eficiência institucional, nomeadamente dos Órgãos de Polícia Criminal. O Chega desvaloriza a cultura de género e faz um forte apelo à proteção da “família tradicional” (o que quer que isto seja!)
O fortalecimento da proteção das vítimas, priorizando as crianças envolvidas, consubstanciado em medidas relacionadas com o apoio habitacional (como por exemplo rendimento de autonomia e moratórias no crédito) e a criação de mais casas-abrigo é comum nas propostas do PS, IL, BE, PAN, Chega e AD. Estas medidas, pouco inovadoras, com um carácter remediativo, traduzem a realidade precária do nosso país no que se refere às lacunas existentes, a curto e médio prazo, no apoio às vítimas após a saída de casa. Nesta linha, o Chega e a IL destacam o endurecimento penal, com agravamento de penas e restrições à suspensão de processos, apesar da extensa investigação que tem vindo a demonstrar a reduzida eficácia da lógica punitiva em termos de reincidência.
Outra proposta, relativamente consensual, consiste na melhoria e no alargamento territorial da RNAVD – que regula as condições de organização e de funcionamento das estruturas de atendimento às vítimas, das respostas de acolhimento de emergência e das casas de abrigo. Recorde-se que há pouco mais de um ano, vários órgãos sociais reportavam os atrasos significativos no financiamento público a este nível e a possibilidade de encerramento de dezenas destas respostas, interrompendo a intervenção com milhares de vítimas, colocando-as em situação de potencial revitimização e pondo em causa a (já reduzida) credibilidade do sistema de proteção de vítimas do nosso país. O problema – nada de novo – foi a transição entre quadros comunitários. Tendo em conta estes dados, compreende-se a pertinência da proposta; não é melhorar, é não “deixar cair outra vez, por favor”!
A qualificação da intervenção, nomeadamente das forças de segurança e do Sistema Judicial e, a montante, uma estratégia de sensibilização para a igualdade de género, a diversidade e a cidadania, são propostas que não estão presentes em alguns programas eleitorais, apesar da sua importância incontornável. Há, no entanto, duas dimensões fulcrais que parecem ser transversais a todos: a ignorância sobre esta temática, por um lado e, por outro, a falta de estratégia e de concertação entre as propostas.
Aconselha-se aos diferentes grupos políticos a leitura da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030. Não por ser um exemplo de orientação superordenada, que esteja a ser implementada com a diligência e eficácia necessárias. Apenas, e só, porque, como o nome indica, é a Estratégia definida em Conselho de Ministros até 2030, apresentando medidas com enquadramento, com prazo, com lógica.
Talvez assim conseguissem elencar argumentos sólidos para factos muito sérios, que devem ser motivo de preocupação para todos nós, principalmente a classe política.