Perante a presença portuguesa na vida associativa, na advocacia, no ensino, na administração e nos tribunais, "em que há juízes portugueses a julgar", é preciso "reconhecer que isto é invulgar, que significa um sucesso", disse à Lusa Alexandre Leitão.

Isto "abre portas para um certo otimismo em relação ao futuro. Obviamente, um otimismo realista, de quem sabe que Macau pertence à República Popular de China", afirmou.

"Se tivermos presente que estamos na China, ainda que com condições especiais e que me parecem muito interessantes para a própria China, creio que [...] temos razões para ver perspetivas de sucesso e áreas de crescimento da nossa presença, da nossa participação em projetos como [a Área] da Grande Baía, como a Plataforma, Centro e Base da relação entre a China e os países de língua portuguesa, e até para o projeto de internacionalizar a economia portuguesa e ajudar à internacionalização da economia chinesa também", assinalou o diplomata.

A Grande Baía é um projeto de Pequim para criar uma metrópole mundial que integra Hong Kong, Macau e nove cidades da província de Guangdong, com 86 milhões de habitantes e uma economia superior a um bilião de euros em 2023.

Sem esquecer "a competência e o conhecimento absolutamente ímpar que os macaenses têm da China", tem-se "um 'cocktail' no que pode ser muito eficaz para que esta cidade, que é pequena na China, tenha uma relevância maior do que a sua estrita dimensão demográfica ou geográfica".

"A China dá todos os sinais de querer ter uma relação especial com o universo lusófono. E nós não temos, seriamente, nenhuma condição para pôr em causa aquilo que a China diz. Acreditemos que aquilo que é proclamado é a intenção real e trabalhemos para isso com a China", sublinhou.

Em 2003, a China estabeleceu a Região Administrativa Especial de Macau como plataforma para a cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa.

No ano passdo, Macau deixou de aceitar novos pedidos de residência para portugueses, para o "exercício de funções técnicas especializadas", permitindo apenas justificações de reunião familiar ou anterior ligação ao território.

As orientações eliminam uma prática firmada após a transição de Macau, em 1999. A alternativa para um português garantir o bilhete de identidade de residente (BIR) passa por uma candidatura aos recentes programas de captação de quadros qualificados.

Outra hipótese é a emissão de um 'blue card', autorização limitada ao vínculo laboral, sem os benefícios dos residentes, nomeadamente ao nível da saúde ou da educação.

Sobre esta questão, Alexandre Leitão afirmou ser um sinal.

"Obviamente, esta decisão foi um sinal. E é um sinal que tem leituras, como todos os sinais. E uma mudança súbita, depois da [pandemia da] covid-19, numa altura em que se falava da recuperação e da necessidade de diversificação económica, quando isso significa em qualquer cidade do mundo e da própria China, abertura", considerou.

"Digamos que temos o direito de olhar para este sinal como algo frustrante e contrário às nossas expetativas e sobretudo de difícil compreensão pelo momento e pelo facto de que objetivamente são poucos os portugueses que vêm de Portugal procurar Macau", salientou.

Alexandre Leitão disse acreditar "ser do interesse da região poder beneficiar do contributo qualificado de mais portugueses".

Este sinal "autoriza leituras diversas", como a de ser um esforço de normalização: "é evidente que Macau, mais uma vez, pertence à República Popular da China e portanto compreendo que seja para alguns discutível que os portugueses tenham um estatuto diferente de outros estrangeiros ou até de pessoas que vêm da China", afirmou.

"Mas o meu papel aqui é defender os interesses da comunidade portuguesa e de Portugal e pôr em evidência aquilo que acredito ser a capacidade que os portugueses têm de trazer valor para o projeto de crescimento, diversificação de Macau, de integração e de contributo apreciável no projeto da Grande Baía e no projeto de plataforma entre a China e os países de língua portuguesa".

Os portugueses que "aqui estão e que não são nascidos aqui não são assim tantos e não são demais", considerou.

Para o diplomata, trata-se de uma opção soberana de autoridades que têm plena competência para decidirem o que entendem: "não houve violação, na minha opinião, da Lei Básica nem nada disso".

"Temos que separar o que é jurídico do que é político e eu estou aqui a fazer obviamente uma interpretação enviesada pelo facto de ser representante de Portugal e de defender os interesses portugueses", assinalou.

Cerca de 155 mil pessoas têm nacionalidade portuguesa em Macau e Hong Kong, disse à Lusa. De acordo com os censos de 2021, realizados no território, há mais de 2.200 pessoas nascidas em Portugal a viver em Macau.

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