
O Vaticano realizou 10 Congregações Gerais de cardeais, antes do Conclave, encontros que permitem aos eleitores conhecerem-se e perceberem o que cada um deles defende para o futuro da Igreja Católica.
"Nas congregações gerais há quase um pré-conclave" para "definir o perfil do futuro Papa", afirmou à Lusa Eduardo Baura, professor de direito canónico na pontifícia universidade de Santa Cruz, em Roma, que pertence à Opus Dei.
Vários analistas apontam o discurso do então Jorge Bergoglio sobre a necessidade de modernização da Igreja numa das Congregações Gerais após a renúncia de Bento XVI como a principal razão para a sua escolha pelo colégio cardinalício de então.
Bergoglio havia sido o segundo mais votado no Conclave de 2005 e o seu discurso sobre as necessidades de reformas da Cúria em 2013 foi de tal modo impactante que o cardeal de Havana lhe pediu uma cópia, alegando que queria ficar com o registo daquele que viria a ser o futuro Papa.
Este ano, as primeiras Congregações Gerais foram dedicadas à gestão corrente da Santa Sé, a definição do funeral de Francisco ou a indicação dos principais celebrantes das cerimónias, mas na semana passada os temas começaram a mudar e os cardeais foram chamados a tomar posições sobre políticas concretas sobre o futuro da Igreja.
As Congregações Gerais decorrem à porta fechada, juntam cardeais eleitores e não eleitores e o único registo do que lá se passou é feito pela Sala de Imprensa do Vaticano, que tem emitido notas sucintas sobre cada uma.
Na segunda-feira, decorreram duas congregações e para hoje está agendada a 12.ª reunião deste género, a primeira com os 133 eleitores.
A 11.ª Congregação teve lugar na tarde de segunda-feira, com cerca de 20 intervenções, a maioria dedicadas à "questão do etnocentrismo na Igreja e na sociedade", segundo os serviços de imprensa.
"Falou-se das migrações, reconhecendo os migrantes como um dom para a Igreja, mas também sublinhando a urgência de os acompanhar e de apoiar a sua fé em contextos de mobilidade e de mudança" e as "guerras em curso foram referidas em várias ocasiões, com tons frequentemente marcados por testemunhos diretos de cardeais que provêm das regiões afetadas pelos conflitos".
O processo sinodal foi elogiado e os cardeais assumiram a "responsabilidade de apoiar o novo Papa, chamado a ser um verdadeiro pastor, um guia que sabe ir além dos limites da Igreja Católica, promovendo o diálogo e construindo relações com outros mundos religiosos e culturais".
Durante a 10.ª reunião, durante a manhã de segunda-feira, houve 26 intervenções, com "reflexões sobre o direito canónico e sobre o papel do estado da Cidade do Vaticano, mas sobretudo sobre a natureza missionária da Igreja: uma Igreja que não deve fechar-se em si mesma".
Um dos oradores, não identificado, salientou a visibilidade mediática da Igreja nestes dias, que mostra a responsabilidade da instituição e da escolha do sucessor de Francisco.
"Falou-se também do perfil do futuro Papa: uma figura que deve estar presente, próxima, capaz de ser ponte e guia, de favorecer o acesso à comunhão de uma humanidade desorientada e marcada pela crise da ordem mundial; um pastor próximo da vida real das pessoas", refere o comunicado da Santa Sé.
Além disso, "foi manifestada uma forte preocupação com as divisões no seio da própria Igreja" e "não faltaram referências às vocações, à família e à responsabilidade educativa para com as crianças".
Na sexta-feira, na 9.ª Congregação Geral, houve 26 intervenções, que "abordaram diversos temas de relevância eclesial e pastoral", refletindo-se na "dupla tarefa da Igreja: viver e testemunhar a comunhão interior e promover a fraternidade no mundo", refere a Sala de Imprensa.
"O magistério do Papa Francisco e os processos iniciados durante o seu papado foram recordados com gratidão, sublinhando a responsabilidade de os continuar e de os salvaguardar", tendo sido também abordado temas com a colaboração entre Igrejas locais, "o papel da Cúria em relação ao Papa, o serviço da Igreja e do Pontífice à causa da paz e o valor da educação como instrumento de transformação e de esperança".
No encontro, os cardeais pediram um próximo Papa que "tenha um espírito profético, capaz de conduzir uma Igreja que não se feche em si mesma, mas que seja capaz de sair e levar luz a um mundo marcado pelo desespero".
O caminho de abertura parece não ter retorno, de acordo com os comunicados, com os cardeais a alertarem para o "risco de a Igreja se tornar autorreferencial e perder a sua relevância se não viver no mundo e com o mundo".
No dia anterior, falaram 25 cardeais, com intervenções sobre "temas de particular relevância para o futuro da Igreja", como a evangelização e o diálogo com as jovens gerações.
Nesse encontro, "foram também recordados alguns elementos de contra-testemunho, como os abusos sexuais e os escândalos económicos" no Vaticano e o porta-voz da Santa Sé explicou que "estas questões foram encaradas como uma 'ferida' que deve ser mantida 'aberta', para que a consciência do problema permaneça viva e se possam identificar caminhos concretos para a sua cura".
Na 7.ª Congregação Geral, o "cardeal Reinhard Marx, coordenador do Conselho para a Economia, apresentou uma panorâmica atualizada dos desafios existentes e das questões críticas, oferecendo propostas orientadas para a sustentabilidade e reiterando a importância de as estruturas económicas continuarem a apoiar de forma estável a missão do papado".
Esta sessão foi dedicada às questões internas da gestão do Vaticano, uma preocupação que o futuro Papa terá de ter.
Na 6.ª Congregação Geral, o "tema central das reflexões foi o papel da Igreja no mundo atual e os desafios que enfrenta", com várias intervenções de cardeais que "partilharam diferentes perspetivas, enriquecidas pelas experiências e contextos dos vários continentes, interrogando-se sobre a resposta que a Igreja deve dar nestes tempos".
Já na 5.ª Congregação Geral, a primeira após o funeral do Papa, foram feitas 20 intervenções, com discursos que "abordaram temas de particular relevância para o futuro da Igreja: a relação com o mundo contemporâneo e alguns dos desafios que se colocam, a evangelização, a relação com as outras religiões, a questão dos abusos".
Nesse encontro, o primeiro de reflexão sobre o futuro da Igreja, "foram discutidas as qualidades que o novo Pontífice deverá possuir para responder eficazmente a estes desafios", tendo sido também fixada a data de início do Conclave, a 07 de maio.
Segundo vários vaticanistas, as Congregações Gerais começaram a ganhar destaque tendo em conta a diversidade do colégio cardinalício, com muitos cardeais de vários continentes, que não se conhecem e que têm formação teológica e académica muito diversa.
O Conclave tem início na quarta-feira, dia 07 de maio e caberá aos 133 cardeais eleitores, com menos de 80 anos, a responsabilidade de escolher o sucessor de Francisco.
Todos os dias serão feitas quatro votações e o futuro Papa deverá ter pelo menos dois terços dos boletins contados.