Até 19 de agosto de 2021 estavam registados cerca de 50 vulcões ativos a emitir matéria para o exterior, que é como quem diz, a expulsar as rochas em fusão (magma) sujeitas a altas temperaturas que estavam um pouco abaixo da superfície terrestre. Em alguns casos, estas libertações de material são acompanhadas de fortes erupções explosivas, semelhantes a um gigantesco, mas perigoso, espetáculo de pirotecnia. Todavia, este número está longe de ser uma anomalia, já que a média de vulcões ativos e em erupção a qualquer momento é, precisamente, de meia centena.
Segundo o Programa de Vulcanismo Global (PVG) do Instituto Smithsonian dos EUA, que investiga, monitoriza e contabiliza a atividade vulcânica que ocorre em todo globo, só em 2020 foram confirmadas 73 erupções de 68 diferentes vulcões, com muitos deles ainda hoje a continuarem em erupção. Aliás, desse número total só 27 foram erupções que tiveram início em 2020. Quanto a este ano, foram registados até ao momento 68 vulcões em erupção (o mesmo número), adianta o Instituto Smithsonian, uma instituição pública composta por uma vasta rede de museus e centros de investigação destinados a difundir o conhecimento científico.
Ou seja, apesar de nas últimas semanas os holofotes mediáticos estarem apontados para os mais recentes acontecimentos na ilha de La Palma, nas Ilhas Canárias, devido ao complexo vulcânico de Cumbre Vieja e à lava (nome que se dá ao magma quando chega à superfície) que está a varrer e a destruir parte da ilha, há dezenas de outros vulcões que neste preciso momento estão a libertar material ígneo para a crosta terrestre, mas sobre os quais pouco ou nada se fala – a menos que se seja geólogo, especialista em vulcanologia ou um verdadeiro interessado na matéria.
O que chamou a atenção para o Cumbre Vieja, que se estima estar ativo há 125 mil anos, foi que começou a libertar de forma explosiva grandes rios de lava desde o dia 21 de setembro, com efeitos destrutivos e causando impacto junto das 85 mil pessoas que vivem nesta ilha espanhola do Atlântico.
Cerca de 1,5 milhões de pessoas vivem em redor do Nyiragongo, em África, um dos vulcões mais perigosos do mundo. O dobro de há 20 anos, quanto entrou em erupção e espalhou o caos.
Se prestarmos atenção às últimas três décadas, desde 1991, e em média, que ocorrem entre 56 a 88 erupções por ano. Parece muito e pode fazer erguer, em jeito de preocupação, alguns sobrolhos. Mas sossegue, pois, tal como explicam os cientistas do Programa de Vulcanismo Global, não há evidência de que a atividade vulcânica na Terra esteja neste momento a aumentar.
Se, para o leitor, parece que está a suceder o contrário isso deve-se a duas tendências, uma demográfica e outra tecnológica, que acabam por criar uma ilusão:
“O aparente aumento de atividade reflete o aumento de população a viver perto de vulcões”, o que faz crescer o número de pessoas a observar e a dar conta destes fenómenos, mas também se deve às “melhorias nas tecnologias da comunicação para reportar essas erupções”, indica o PVG do Instituto Smithsonian.
Um exemplo. A 3.470 metros de altura, mesmo junto à fronteira entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, o fumo que costuma sair da enorme caldeira do vulcão Nyiragongo inspira respeito. Com dois quilómetros de diâmetro, esta caldeira é conhecida pelo dantesco lago de lava que alberga, com 200 metros de largura, o mais volumoso do mundo entre os que mostram uma atividade contínua. A sua última erupção ocorreu em 2002, causando o desastre à cidade fronteiriça e congolesa de Goma. Estima-se que tenham morrido cerca de 250 pessoas, após rios de lava terem descido o flanco da cratera e chegado à cidade que está a apenas 15 quilómetros do monte, destruindo cerca de 20% da urbe e obrigado centenas de milhar a fugir.
Todavia, quase duas décadas depois, o risco para a vida humana de uma nova erupção poderá ser maior, pois a população que vive na área que circunda o vulcão duplicou em relação a 2002, tendo chegado aos 1,5 milhões de pessoas. Além de Goma, também a cidade próxima de Gisenyi, no Ruanda, está sob ameaça, apesar de ter escapado incólume à última erupção: foi para aqui que largos milhares fugiram e se refugiaram, aquando do desastre de 2002.
Em 2020, um estudo na revista Science sobre o Nyiragongo alertava que a lava no seu interior estava a subir a um nível alarmante desde 2016, em comparação com o período de 2010 a 2016, aumentando o risco de fissurar as paredes da caldeira e deslizar pela encosta abaixo. Foi esta a conclusão a que chegou um conjunto de especialistas que está constantemente a monitorizá-lo.
Entretanto, juntamente com o vulcão de La Palma, o Nyiragongo tornou-se num dos quatro vulcões que, de acordo com o mais recente relatório semanal do PVG, começaram nas últimas semanas a mostrar “nova atividade” vulcânica à qual é preciso dar atenção. Desde 18 de setembro que a lava começou a encher a sua cratera, com imagens de satélite datadas de 29 de setembro e 4 de outubro a mostraram “anomalias termais de relevo”.
A 25 quilómetros de Sicília existe uma pequena ilha vulcânica, cuja paisagem mais parece um postal turístico, que está a preocupar as autoridades italianas. Foi lançado um “alerta amarelo” devido aos mais recentes sinais de atividade.
Os outros dois vulcões que também começaram a dar sinas de nova atividade são o Kilauea, no Havai (tem cerca de cem mil anos e eleva-se até aos 1250 metros), e o que existe na pequena ilha italiana de Vulcano, em pleno mar Mediterrâneo, a apenas 25 quilómetros da Sicília: o local tem uma população de quase mil habitantes.
No caso do Kilauea, que é um dos mais ativos do mundo, a 29 de setembro registou-se um abrupto aumento da atividade sísmica, com o magma a ascender ao longo do interior da sua caldeira: nessa noite várias fissuras surgiram na superfície de uma das crateras que existem ao longo do topo da caldeira, com a matéria incandescente a fluir através delas. A 1 de outubro já se tinha formado devido às aberturas na cratera um impressionante (e visualmente belo) lago de lava ativa com 24 metros de profundidade e dez quilómetros quadrados de área.
O pior é que os dados existentes indicam que estava a ser emitido para atmosfera, diariamente e a um nível considerado elevado, o equivalente a 20 mil toneladas de dióxido de enxofre (um gás tóxico que costuma ser usado pela indústria para fabricar o ácido sulfúrico).
Apesar de o lago de lava parecer estabilizado, a libertação de dióxido de enxofre, apesar de ser menor do que antes, ainda é considerada alta.
Quanto à aparentemente inofensiva ilha de Vulcano, cuja paisagem mais parece decalcada de um postal turístico – está pejada de ondulantes e suaves crateras, com alguma aldeias no verdejante sopé das mesmas, sendo que o seu ponto mais alto mede 500 metros –, desde julho que se registou um aumento da atividade hidrotermal do seu vulcão: ou, melhor explicando, dos fluxos de matéria vindas das fraturas que se abrem na crosta terrestre que está debaixo de água. Em setembro os sinais dessa atividade foram ainda maiores.
De acordo com o Programa de Vulcanismo Global do Instituto Smithsonian, o que mais chamou a atenção foi o aumento da temperatura nas fumarolas (aberturas à superfície de onde saem gases e vapor de água, semelhantes às que se podem ver e visitar no arquipélago dos Açores), situadas junto às bordas das crateras e nas suas paredes interiores. A temperatura nessas fumarolas chegou aos 340 graus Celsius, a que se juntou um aumento da emissão de dióxido de carbono e dióxido de enxofre.
A 13 de setembro, a rede de detetores sísmicos aí existentes, instalados pela primeira vez há 15 anos, registou um aumento dos microssismos ligados a processos hidrotermais. Além do mais, alguns destes eventos sísmicos foram de longa duração, algo nunca antes sinalizado desde que a rede de detetores foi montada.
Num dos seus cones vulcânicos, o qual tem o sugestivo nome de La Fossa, foi possível verificar o surgimento de uma ligeira deformação, quase indetetável a olho nu. Basicamente, um dos lados da La Fossa ergueu-se mais um centímetro, em setembro: parece nada, mas pode significar muito.
Foi por estes motivos que a 1 de outubro o Departamento de Proteção Civil de Itália colocou a situação em “Alerta Amarelo”, o segundo nível de alerta mais baixo de uma escala de quatro. Novas estações sísmicas e instrumentos para medir as emissões de dióxido de carbono foram adicionados à rede existente, assim como uma câmara térmica apontada para a zona de fumarolas. Tudo por uma questão de precaução.
Os vulcões não são vilões. Foram eles que levaram ao surgimento dos oceanos e mantiveram o planeta quente e húmido, condições necessárias para que a vida na Terra possa crescer e regenerar.
Cumbre Vieja, Nyiragongo, Kilauea e Vulcano. Eis, portanto, os mais recentes vulcões em que, segundo os especialistas ligados ao Instituto Smithsonian, se detetou nova atividade de relevo. Mas, e é preciso recordar, eles são apenas quatro do total de 68 vulcões que só este ano, e até agora, continuaram ou entraram em erupção.
Não obstante, não façamos dos vulcões uma potencial ameaça para a humanidade, pois é a eles que devemos a nossa existência.
A Terra tem 4,5 mil milhões de anos e vulcões em erupção é algo que já acontece há muito tempo, um sinal de que o nosso planeta está geologicamente vivo e é dinâmico. Se existe vida no nosso planeta, bem que podemos agradecer a esses fenómenos, referencia a NASA. A densa e profunda crosta terrestre que hoje pisamos foi construída ao longo de milhares de milhões de anos através de rochas em fusão que ascenderam a partir do subsolo. Este processo permitiu, em simultâneo, a libertação de gases para a atmosfera, os quais acabaram por dar origem aos oceanos da Terra, os quais, por sua vez, serviram de 'caldo' para o florescimento das primeiras formas de vida. Isto sem esquecer que os vulcões são responsáveis por ter mantido a Terra quente e húmida, características importantes para que diferentes espécies de animais e plantas possam subsistir.
Os vestígios mais antigos que existem de lava expelida por uma erupção vulcânica datam de há 3,8 mil milhões de anos, encontrados perto da vila de Inukjuak, junto à Baía de Hudson, no Canadá, explica o geólogo Richard Naslund, da Universidade de Birmingham (Reino Unido), ao jornal Press & Sun-Bulletin. Os primeiros seres humanos, a título de comparação, só surgiram há 2,4 milhões de anos – o homo habilis –, mas as pessoas que realmente se parecem connosco, o anatomicamente moderno homo sapiens, apenas apareceram há 300 mil anos.
Não obstante, houve épocas em que as erupções vulcânicas provocaram mudanças abruptas no clima e na biologia terrestre e marinha, favorecendo determinadas espécies em detrimento de outras.
No início de outubro, um estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) revelou mais novidades sobre um período conturbado da história da Terra, entre há 234 milhões e 232 milhões de anos, que só recentemente foi descoberto. Foram dois milhões de anos marcados por uma enorme revolução climática e a dizimação de vida animal e vegetal, devido ao aumento da temperatura e da humidade e à queda de chuva ácida. Mas também foi nessa altura que surgiram os mamíferos e as condições ideais para os dinossauros iniciarem o seu reinado, frisam os autores da investigação. O que causou tudo isto? O dióxido de carbono libertado pela frenética atividade vulcânica ocorrida à época.