A perceção na prática clínica dos profissionais de saúde é suportada pela evidência científica: os diagnósticos de cancro da mama em mulheres jovens estão a aumentar e os alarmes começaram a soar. Se a idade mediana de diagnóstico de cancro da mama nos países ocidentais se situa entre os 62 aos 65 anos, o que pode explicar um aumento tão evidente dos diagnósticos 20 a 30 anos antes daquela idade?

Num artigo publicado em janeiro de 2024 na revista médica JAMA Network Open, Shuai Xu e os seus colegas reportaram que desde 2000 até 2016 a incidência de cancro da mama em mulheres americanas entre os 20 e os 49 anos de idade teve uma tendência crescente mas lenta, rondando os 65 casos por cada 100 000 mulheres, durante mais de uma década.

A partir de 2016, a incidência aumentou - dramaticamente, nas palavras dos autores - até quase 75 casos por cada 100 000 mulheres em 2019, o último ano avaliado no estudo. Na análise, acrescentam que são os tumores com receptores hormonais positivos cuja incidência mais aumentou e os tumores nos estadios I e IV, portanto os extremos do prognóstico - melhor e pior, respetivamente.

Embora as causas deste fenómeno não estejam completamente esclarecidas, algumas já são apontadas: idade avançada no primeiro parto, ausência ou menor número de filhos e de amamentação, uso de contracetivos orais, consumo de álcool, excesso de peso corporal e inatividade física ou sedentarismo. Apesar de maior probabilidade de identificação de alterações genéticas hereditárias nas doentes mais jovens (por exemplo, nos genes BRCA1/2) ainda assim estes casos continuam a ser uma minoria.

Algumas particularidades existem associadas ao diagnóstico de cancro em idade jovem: a importância da preservação da fertilidade, os desafios no tratamento, como a indução de menopausa precoce, casos associados à gravidez ou maior probabilidade de realização de quimioterapia, ou o impacto negativo a vários níveis - por exemplo na dinâmica do casal, as limitações nos momentos-chave dos filhos, o absentismo laboral, as sequelas físicas e psicológicas do diagnóstico e tratamentos, entre muitas outras.

No documento “Breast Cancer Facts & Figures, 2022-2024” publicado pela American Cancer Society, consta que a probabilidade de uma mulher com 40 anos ter cancro da mama nos 10 anos seguintes é de 1 em cada 63 mulheres, em contraste com a probabilidade de uma mulher com 70 anos, que é de 1 em cada 24 mulheres, reforçando que um dos principais fatores de risco continua a ser a idade mais avançada. No entanto, o que se tem verificado, é que a incidência de cancro nas mulheres jovens tem aumentado mais rapidamente do que nas faixas etárias mais avançadas. Por oposição, a incidência do cancro da mama no homem tem estado estável nos últimos 30 anos, a rondar 1% dos casos e não está preconizado rastreio populacional (apenas rastreio individualizado em casos de alto risco, genético ou clínico, identificado pelos Médicos Assistentes).

Nos Estados Unidos, um dos países com melhor acesso a dados de incidência e terapêutica no âmbito da Oncologia, o reconhecimento quase imediato do aumento dos diagnósticos de cancro da mama em idade jovem levou a que, em abril de 2024, a US Preventive Services Task Force, organização independente mas financiada pelo governo Americano, que emite recomendações, passou a considerar o rastreio do cancro da mama em mulheres com idade entre os 40 e os 74 anos de idade, com realização de mamografia de 2 em 2 anos, enquanto as últimas recomendações deste painel, de 2016, suportavam idade inicial para rastreio aos 50 anos. É uma mudança significativa, se considerarmos que em muitos países, incluindo Portugal, o rastreio inicia-se a partir dos 50 anos, excepto em situações de risco acrescido. Este risco individual pode ser avaliado para uma determinada mulher segundo ferramentas de cálculo de acordo com diferentes variáveis (por exemplo o Modelo de Gail) permitindo um programa de rastreio personalizado. Reforça-se que o conceito de rastreio só é aplicável em pessoas assintomáticas cuja relação risco-benefício favorece a realização de exames de modo a poder diagnosticar precocemente, em geral melhorando o prognóstico e permitindo tratamentos menos agressivos.

No entanto, é aguardada, desde 2023, a revisão das recomendações nacionais, da responsabilidade da Direção-Geral da Saúde (DGS), segundo orientações da União Europeia, para se iniciar o rastreio, pelo menos, aos 45 anos. É de relevar que não basta alargar o rastreio, é necessário que exista adesão ao mesmo. Segundo o relatório nacional da DGS sobre “Avaliação e Monitorização dos Rastreios Oncológicos de Base Populacional” (2023), a taxa de adesão ao rastreio foi de apenas metade das mulheres elegíveis - 51%, equivalente a cerca 420 000 mulheres rastreadas -, correspondendo a uma diminuição de 12% em comparação com os números de 2017, apesar de a taxa de cobertura geográfica do programa de rastreio ser próxima de 100% - e estes são indicadores que também nos devem preocupar. Assim, uma parte significativa dos diagnósticos na mulher jovem é feito por auto-palpação, o que é um fator de pior prognóstico.

Segundo os dados recolhidos pelo grupo CUF, nos últimos 6 anos, o cancro da mama em doentes com idade inferior a 50 anos chegou a ser praticamente 40% dos diagnósticos, com tendência crescente desde 2020. Embora represente apenas uma parte dos diagnósticos nacionais, não deixa de ser expressivo, especialmente, considerando que inclui as faixas etárias abaixo da idade mínima dos critérios do rastreio em vigor em Portugal.

Os alarmes estão a soar. É urgente aprofundar e corrigir as potenciais causas e implicações do cancro da mama em mulheres jovens, alargar o rastreio, promover a vigilância da saúde da mama e impulsionar a investigação de qualidade.


Nota: Profissionais de saúde e aliados de renome internacional vão estar reunidos, no Hospital CUF Tejo, em Lisboa, no evento International Conference on Young Women’s Breast Cancer and Health organizado pela Fundação Breast Cancer in Young Women - será a primeira conferência internacional dedicada ao cancro da mama na mulher jovem, a decorrer nos dias 29 e 30 de outubro deste ano, com o propósito de discutir as causas do aumento do número de casos de cancro da mama em mulheres jovens e partilhar os avanços emergentes nesta área.