A descoberta do LSD em laboratório no final dos anos 30 fascinou a comunidade científica com as suas potencialidades terapêuticas. Na década de 60, o LSD e a psilocibina, retirada dos cogumelos mágicos, começaram também a cativar uma geração de jovens que as consumia em circuitos recreativos. Acabaram por ser ilegalizadas, diabolizadas e arredadas dos centros de investigação. Cinquenta anos depois os psicadélicos renascem. Centros de ciência e hospitais um pouco por todo o mundo procuram a cura ou o tratamento de várias doenças psiquiátricas como a depressão.

Há dois anos e meio que Helena é acompanhada na consulta de psiquiatria do Centro Clínico da Champalimaud, um dos 23 centros científicos espalhados pelo mundo que participaram num ensaio internacional com psilocibina, uma substância retira do cogumelo mágico. O estudo contou com 233 doentes com depressão major resistente, como Helena. Não quer ser identificada. Trabalha numa multinacional e não lhe agrada que os colegas saibam da depressão porque passou, muito menos que entrou num ensaio no qual tomou uma droga psicadélica. No dia da primeira sessão, estava receosa. Um pouco nervosa, mas correu bem. Depois de tomar o medicamento - 3 comprimidos - entrou na viagem psicadélica. Viu cores, figuras geométricas e viajou pelo passado e presente, descobrindo memórias que nunca pensou que existissem.

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Nas quase sete horas em que durou a experiência, esteve sempre acompanhada por profissionais de saúde, coordenados neste ensaio por Albino Maia. Psiquiatra, professor universitário e diretor da unidade de neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud, dirigiu a equipa que em Portugal participou no estudo.

"As doses mais altas da psilocibina funcionaram melhor do que as doses mais baixas e quando chegamos aos 3 meses há uma parte dessas pessoas que voltaram a adoecer. Porquê? Porque ainda não se chegou ao Santo Graal. Porque de facto há um conjunto relativamente pequeno de pessoas que parece ter benefício sustentado no tempo com uma única administração, mas se calhar a maior parte das pessoas tem necessidade deste tipo de intervenção por terem uma doença difícil de tratar vão precisar de doses mais altas ou mais frequentes", explicou à SIC.

Albino Maia, psiquiatra, professor universitário e diretor da unidade de neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud.
Albino Maia, psiquiatra, professor universitário e diretor da unidade de neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud. SIC Notícias

O ensaio é da responsabilidade de uma multinacional farmacêutica, a Compass, uma das que mais tem investido na investigação clínica com psicadélicos, estando agora a preparar o protocolo da próxima fase do estudo.

Ecstasy, LSD e psilocibina no tratamento de doenças psiquiátricas e adições

Desde o início dos anos 2000 que os psicadélicos atraem centros académicos de investigação. Um dos estudos mais relevantes juntou 50 doentes oncológicos com ansiedade associada à doença. Tomaram psilocibina e ao fim de seis meses mais de 80% reduziu os sintomas. Desde então foram feitas centenas de publicações científicas. E a ciência continua a centrar-se em provar a eficácia do MDMA, conhecido por ecstasy, o LSD e a psilocibina no tratamento de doenças psiquiátricas e adições.

Nenhuma das substâncias está legalizada ou teve luz verde das agências internacionais do medicamento. Apenas podem ser usadas em contexto de investigação científica. Há, no entanto, exceções: as autoridades suíças credenciaram 40 médicos a usar psicadélicos em doentes que por sua vez também têm de ser autorizados individualmente. Sempre na alçada da lei do uso compassivo de medicamentos que permite a utilização destas substâncias que ainda não estão aprovadas, nem comercializadas.

Estes programas cumprem todas as regras previstas pela legislação internacional e são avaliadas e autorizados pelo Governo suíço.

Portugal utiliza quetamina para tratar depressões e adições

Em Portugal, ainda não se utilizam estes produtos em contexto clínico, mas há uma outra substância que está a ser usado em hospitais do Serviço Nacional de Saúde e em clínicas privadas para tratar depressões e adições: a quetamina, um medicamento aprovado há mais de 60 anos como anestésico e que existe em todos os blocos operatórios do país.

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Com quase 55 anos, Ana encontrou finalmente alguma estabilidade depois de um conjunto de sessões de psicoterapia associada a quetamina que fez no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. Foi a solução para acabar com a depressão de que sofria há mais de 10 anos e que a obrigou a tomar diariamente vários antidepressivos sem que os sintomas de angústia, dificuldade em dormir, ansiedade ou pânico diminuíssem.

"Cheguei aqui num estado... um farrapo. Eu questionava qual era o meu papel na vida, o que é que andava aqui a fazer.. questionava tudo. Questionava todos", explicou à SIC.

Além do Júlio de Matos, também o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e o São João, no Porto, têm este tipo de tratamentos para doentes com depressão resistente, ou seja, que não obtiveram resultados com os antidepressivos e os tratamentos existentes.

Não estando a quetamina indicada como antidepressivo, está a ser usada em "off label", ou seja, numa indicação terapêutica diferente daquela para a qual foi aprovada. Há muitos anos que esta utilização é feira com muitos outros tipos de medicamentos.

O uso "off label" é da inteira responsabilidade do medico prescritor que precisa de autorização das comissões de farmácia e de ética para poder utilizar o medicamento.

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Os protocolos dos tratamentos têm por base estudos científicos publicados internacionalmente. A grande maioria são estudos académicos independentes, já que as farmacêuticas que detêm o produto nunca solicitaram às instâncias de regulação internacional que adicionassem a depressão às indicações que já existem para a quetamina (analgésico e anestésico). Só quando isso acontecer, depois de um processo que obriga à entrega de documentos que provem os benefícios da substância relativamente a outros medicamentos já existentes, é que a quetamina poderá ser considerada oficialmente como antidepressivo.

"É importantíssima a regulamentação. Estamos a falar de situações delicadas. Estamos a falar de pacientes em estados de fragilidade e, portanto, é importante regulamentar qualquer prática médica. Aqui especialmente, tratando-se de algo que é inovador e potencialmente desestabilizador no sentido em que vamos estar a mexer emocionalmente com a pessoa. É muito importante haver contenção e é necessário estabelecer o que seriam práticas mínimas de segurança para tratar uma pessoa com problema muitas vezes grave de saúde mental", diz João Costa Ribeiro, o pioneiro da utilização de quetamina no tratamento de doenças do foro psiquiátrico.

Começou no hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Criou, entretanto, uma clínica onde continua a tratar doentes com depressão, alcoólicos ou com síndromes de ansiedade e pânico.


Ficha técnica:

Jornalista - Dulce Salzedas

Repórteres de Imagem - João Lúcio e Rafael Homem

Edição de Imagem - Ricardo Tenreiro