O golo de Andreia Norton em Cluj-Napoca em 2016, no play-off contra a Roménia. O penálti de Carole Costa em Hamilton em 2023, na eliminatória contra os Camarões. Os golos de Diana Silva em Teplice em 2024, no duelo contra a Chéquia.
Uma vez mais, teve de se ir geograficamente longe para chegar a uma competição importante, como se a grande viagem do futebol jogado por mulheres fosse não só simbólica, mas também medida em quilómetros. Sempre no limite, sempre ficando no lado feliz dos play-offs de apuramento.
Se em 2016 era um feito histórico, se em 2023 era confirmar o salto qualitativo de uma geração, agora foi cumprir um objetivo. A meta era esta, os golos de Diana Silva alcançaram-na.
Chéquia 1-2 Portugal. Segunda mão do play-off de qualificação para o Europeu 2025. Depois do 1-1 do Dragão, a equipa de Francisco Neto conseguiu o triunfo que era necessário para se apurar. Depois de 2017 e 2022, será o terceiro europeu seguido para Portugal. Juntando a isto o Mundial, são já quatro fases finais em oito anos para um país que, até aqui, estivera em zero fases finais.
Num certo sentido, olhar para as bancadas e para o ambiente de Teplice era uma boa maneira de perceber a enorme desilusão que seria ficar de fora do Europeu perante esta oposição checa. Há quatro dias, no Dragão, mais de 40 mil almas proporcionaram um clima de jogo grande, de ocasião histórica. Aqui, com temperaturas quase negativas, a atmosfera era igualmente gélida, com pouca gente, a roçar o indiferente.
Portugal não podia permitir-se ficar de fora perante uma oposição que representa um futebol num estádio bem menos avançado de evolução. Portugal está a tornar-se presença habitual em fases finais, enquanto a Chéquia nunca esteve num Mundial ou num Europeu; Portugal vê neste play-off um grande momento, colocando mais de 40 mil espectadores num moderno estádio, a Chéquia abraça esta eliminatória de forma bem mais incógnita, num recinto cheio de cadeiras vazias.
A equipa nacional não impôs claramente a sua superioridade. Foi um triunfo mais no sofrimento, na convicção. Estar sempre nestes play-offs e conseguir sempre superá-los já não pode ser mero acaso, tem de haver aqui alguma arte. Até arte para ter sorte, como a sorte que bateu à porta quando, em tempo de descontos, as checas enviaram uma bola à barra. Era a noite dos golos de Diana Silva.
Ao contrário da pobreza que norteou largos minutos da exibição nacional, o arranque das visitantes até foi positivo. Com algumas combinações de qualidade, conseguindo juntar o talento de Kika ou Andreia Jacinto no centro do terreno, Portugal dispôs das primeiras chances de perigo. Logo aos 6’, a centrocampista da Real Sociedad atirou por cima, antes do 1-0 chegar aos 13’.
No lado esquerdo do 3-4-1-2 de Portugal está uma canhota viciada em ler. Joana Marchão, jogadora do Servette, é um raro pé esquerdo numa equipa cheia de pés direitos. É, também, uma grande fã da leitura. Foi ela que escreveu os lances que foram concluídos por Diana Silva.
Para o 1-0, Marchão cruzou da esquerda, encontrando Diana Silva na área. A avançada cabeceou, com o seu remate a desviar numa checa e a entrar. Foi o 24.º golo de Diana por Portugal, igualando o registo de Carolina Mendes. À sua frente, no histórico da equipa nacional, só estão Carla Couto (29 golos) e Edite Fernandes (39 golos). Ainda faria o 25.º, na melhor noite da carreira da jogadora do Sporting na seleção.
Em vantagem, Portugal piorou bastante na partida. Durante mais de 40 minutos, vimos uma equipa desligada, tomando más opções, não encontrando Kika. Khýrová, Stašková e Svitková ameaçaram a igualdade, mas Patrícia Morais, que entrou para o lugar de Inês Pereira na baliza, respondeu com boas defesas.
No pior momento da seleção nacional, entrou em campo o azar que rodeia Ana Capeta. Há uma certa aura negativa em torno da alentejana, uma energia que a leva a estar sempre do lado não feliz dos momentos: o remate ao poste nos descontos contra os Estados Unidos no Mundial 2023, o tiro ao ferro contra a França na Liga das Nações, um penálti descoberto pelo VAR neste play-off por mão na bola. Svitková, chamada a bater o castigo máximo, não falhou.
Seguiu-se um período de desinspiração conjunta, um futebol cheio de erros e maus passes e equívocos. Até a transmissão televisiva, plena de cortes, estava solidária com a falta de acerto e precisão, mal deixando ver o regresso de Portugal às jogadas de perigo, quando, aos 52’, Šlajsová evitou que o cruzamento de Capeta chegasse a Diana Silva.
O fim dos 90 minutos ia-se aproximando. A temperatura em Teplice baixava, a transmissão televisiva mantinha-se nervosa e gaguejante. Mas foi do céu, do ar gélido e cortante, que veio o golo da alegria visitante.
Joana Marchão pegou no seu pé esquerdo para bater um livre. O cruzamento foi como um parágrafo bem construído, coerentemente estruturado, não exagerando nas metáforas, mas também não sendo todo ele literal, uma combinação equilibrada e eficaz. Diana Silva voltou a entender a oferta e marcou.
Foi tempo de sofrer. O alívio poderia ter chegado pouco depois dos 90', numa bela jogada construída por Kika, que entre falta das checas e falta das checas subiu de rendimento no período decisivo do desafio, assumindo, cada vez mais, a liderança da equipa. No entanto, Jéssica Silva falhou o 3-1.
E chegou o lance de cortar a respiração. Stašková, num tiro de ressaca, acertou na barra. Uns centímetros abaixo e seria golo. Uns centímetros ao lado e a bola teria ido da trave para as costas de Patrícia Morais, entrando na baliza.
Foi tudo na medida certa. Como na medida certa são estas aventuras de Portugal em play-offs. Da Roménia à Chéquia, de Inglaterra à Nova Zelândia. A grande viagem do futebol jogado por mulheres vai, no verão de 2025, até à Suíça. Já não é epopeia, já é objetivo cumprido.