Na véspera das eleições presidenciais, as ruas de Tbilisi estão entupidas de gente em protesto. Não é o primeiro nem será o último dia em que os manifestantes marcam presença nas principais artérias da capital da Geórgia vigiados por uma robusta presença policial. O descontentamento popular tende a agravar-se.
O cardápio de participantes no sufrágio deste sábado é pouco variado. Mikheil Kavelashvili apoiado pelo Sonho Georgiano, o partido no poder, é o candidato no qual o colégio eleitoral de 300 pessoas deve votar. Visto que o Sonho Georgiano tem a maioria do apoio parlamentar (74 dos 150 deputados) e também das delegações regionais (que representam a outra metade do colégio eleitoral), a ascensão do antigo futebolista não tem por onde ser cancelada.
Por seu lado, os partidos da oposição decidiram não nomear qualquer candidato como forma de protesto. Afinal, os recentes atos eleitorais na Geórgia não se têm revestido propriamente da maior normalidade. Já as eleições legislativas de outubro viram as circunstâncias em que decorreram, “com sérias violações eleitorais”, serem condenadas pelo Parlamento Europeu. Foram identificados casos de “intimidação de eleitores”, “manipulação de votos”, “condicionamento de observadores eleitorais e imprensa” e “manipulação envolvendo máquinas de voto eletrónico”. O Parlamento Europeu sugeriu que a Geórgia convocasse novas eleições legislativas criticando o cenário que levou à vitória (54%) do Sonho Georgiano.
O país do Cáucaso tem estado em particular ebulição desde que foi aprovada a “lei russa”, como denominada pelos críticos. Em maio, o parlamento votou favoravelmente que organizações com mais de 20% de investimento estrangeiro fossem consideradas “agentes estrangeiros”, algo que foi visto pelos opositores como uma aproximação ao Kremlin e um entrave à entrada na União Europeia.
Mikheil Kavelashvili como presidente da Geórgia? “Esta é uma história que nunca pensei ouvir”, disse Niall Quinn, ex-colega de equipa no Manchester City, ao The Athletic. Depois de ter sido jogador, Kavelashvili quis manter a ligação ao futebol. A agitada vida de futebolista iniciada no Dinamo Tbilisi e com passagens ainda por Rússia e Suíça não lhe deu descanso para poder tirar um curso superior. Se praticar desporto profissional não exige pré-requisitos académicos, aceder a certos cargos, sim.
Em 2015, Mikheil Kavelashvili tentou candidatar-se à presidência da federação georgiana de futebol. Uma vez que estava obrigado por lei a comprovar a obtenção de um canudo, o antigo internacional teve que abandonar o objetivo. “Platini, [um anterior] presidente da UEFA, também não andou no ensino superior. Acho que esta é uma decisão deliberada dirigida contra mim”, queixou-se na altura. Mesmo que, de acordo como o jornal georgiano “Netgazeti”, até hoje não lhe tenha sido identificado um fortalecimento do currículo, tal carência não o vai impedir de se tornar presidente do país.
Na referida peça do The Athletic, é descrito por velhos companheiros de equipa como “calmo e modesto”. Ao contrário das suas habilitações literárias, neste aspeto parece ter evoluído. “No seu lugar, eu lia dois livros e depois vinha para cá”, disse-lhe Khatia Dekanoidze, deputada da oposição, em pleno parlamento georgiano. O comentário fez as intervenções de ambos sobreporem-se, com Mikheil Kavelashvili investido na calorosa discussão para demonstrar que a quietude é uma característica que ficou no passado. Aliás, o recurso ao vocabulário intenso que utiliza em eventos oficiais motivou inclusivamente membros do parlamento a solicitarem a sua suspensão.
Anti-ocidente, desfavorável aos direitos LGBT+ e a favor da “lei russa”, Kavelashvili defendeu com afinco, em 2020, a mudança de Tornike Shengelia, estrela do basquetebol georgiano, para o CSKA Moscovo. É também “contra uma Europa em que os cidadãos confiem cegamente em tudo” e crítica os Estados Unidos pela “ucranização da Geórgia” e pelo “desejo insaciável de destruir o país”.
Em 2022, junto de outros três elementos do Sonho Georgiano, Kavelashvili abandonou o partido para criar o Poder Popular, cuja bandeira era lutar contra “a ameaça de envolvimento da Geórgia na guerra da Ucrânia” e radicalizar a narrativa contra o ocidente. O surgimento de um novo partido foi descrito como um fenómeno de oposição artificial, visto que o Poder Popular suporta o governo do Sonho Georgiano.
O primeiro golo que Mikheil Kavelashvili anotou pelo City foi contra o United. Falamos de um avançado moderado que em Inglaterra marcou apenas três golos em 29 jogos pelos citizens. 28 anos depois desse dérbi de Manchester, tornar-se presidente da Geórgia é como rematar para uma baliza aberta. Por muito que não fosse o melhor finalizador do mundo, uma oportunidade destas é difícil de desperdiçar.