Caso Arne Slot estivesse a jogar uma partida de Bingo, poderia certamente gritar “Linha”, pois, a um terço do campeonato (arredondadamente), o seu Liverpool já leva um avanço bem grande (nove pontos) para o segundo classificado e parece que não irá parar por aqui, podendo até, completar o cartão antes de todos os outros jogadores.

O Liverpool partia para este encontro com a primazia praticamente máxima, executando a ausência de Konaté. Oito pontos de distância para o segundo classificado, seis vitórias consecutivas (sendo a última frente ao Real Madrid) e um adversário fragilizado que já não ganhava desde outubro. Facto esse provado pelos cânticos dos adeptos da casa, ao quais Guardiola respondeu com um gesto algo improvável.

Quanto ao onze dos Reds existiam três questões. Seria Gomez ou Quansah o parceiro de Van Dijk? Jogaria Jones ou Szoboszlai como médio mais ofensivo? E quem comporia o tridente da frente ordenado por Salah? As perguntas responderam-se automaticamente, pouco antes do início da partida.

Do lado Cityzen, as dúvidas eram bem maiores e houve surpresas. Ortega foi o escolhido para a baliza, Rúben Dias regressou, Lewis seria médio, mas, num jogo em que se previa espaço, extremos puros, só na segunda parte.

Faziam sete graus nas bancadas de Anfield aquando do início da partida, mas a entrada absolutamente dominadora do Liverpool, com Gravenberch a iniciar a construção desde trás e a recuperar bolas altas em barda, transformou uma tarde de inverno num verdadeiro dia solarengo de verão egípcio, por exemplo. Robertson também abriu o jogo a recuperar bolas, com um posicionamento bem alto, permitindo a Szoboszlai, aos sete e aos onze minutos, de fora da área, testar Ortega.

Egípcio mesmo, foi o brilharete do faraó a descobrir Gakpo nas costas de Walker, aos doze minutos, após receber um delicioso passe longo de Alexander-Arnold, de uma posição pouco comum no centro-esquerda do meio-campo, fazendo até pensar se não o poderíamos ver mais vezes por aí.

Para tentar, de alguma forma, corresponder às tarefas de Rodri, Guardiola, em posse de bola, fez Akanji saltar uma linha para junto de Bernardo Silva (foi médio centro hoje), tendo Foden e Gundogan como 10’s atrás de Haaland, montando uma espécie de 3-2-4-1 bem assimétrico. Aí, o suíço foi uma bela representação do coletivo, com perdas de bola desnecessárias e muita intranquilidade, mas não foi o único, já que Walker, Lewis ou Matheus Nunes também perderam muitas bolas nesta fase, em terreno proibido.

Se é verdade que a entrada do Liverpool foi verdadeiramente bélica e podia ter valido facilmente dois ou três golos, também é verdade que o City a certa altura, lá para o meio do primeiro tempo, conseguiu assentar o jogo, mais pela redução da intensidade da equipa da casa na pressão do que por próprio mérito. Ainda assim, Lewis aos 39 minutos, ameaçou com um remate tímido à entrada da área – foi a primeira oportunidade real dos cityzens.

A segunda parte abriu sem substituições e o Liverpool, ainda que por menos tempo, face ao primeiro tempo, entrou intenso e a ameaçar a “eterna” desorganização defensiva da equipa de Manchester City, com Robertson, à la Alexander-Arnold, a lançar Gakpo entre defensores, valendo, mais uma vez, Ortega, a meias com Matheus Nunes.

Guardiola foi o primeiro a mexer, não poderia ser de outra forma, e lançou os irreverentes Doku e Savinho para as faixas, com o belga a dar mais trabalho à defensiva do Liverpool com acelerações e slaloms constantes, mas sem ameaçar verdadeiramente a baliza de Kelleher.

Ainda assim e apesar do incumprimento defensivo, os melhores momentos da equipa de Manchester surgiram quando, em corredor central, Lewis e Bernardo Silva combinaram.

O técnico neerlandês demorou cerca de um quarto a hora a reagir lançado Quansah para lateral direito. Esperar-se-ia uma troca posicional com Joe Gomez, que não aconteceu.

Um lance de culpa tripla entre Ruben Dias, Ortega e principalmente Kyle Walker que, já agora, à semelhança dos últimos tempos, faz uma partida tenebrosa, origina uma grande penalidade, conquistada por Luís Díaz.

Mais uma vez, e embora alguma falta de frieza em frente à baliza ao longo da partida, Mohamed Salah converte a marca dos 11 metros, faz um golo e uma assistência e chega assim, aos 79 envolvimentos em golos em 83 partidas frente aos Big Six, na Premier League.

A destacar, do lado do Liverpool, todos os neerlandeses: Gakpo marcou; Van Dijk, para além de uma perda, ao minuto 82, esteve intransponível, quer na construção, quer no plano defensivo e até esteve perto do golo por três vezes na bola parada. Gravenberch, que até esteve para não entrar nos planos iniciais (Zubimendi esteve para chegar) vai sendo, talvez, o melhor médio da temporada europeia e Arne Slot, pegou em tudo o que Klopp construiu, ajustou à sua medida e construiu aquela que é, à data, a melhor equipa.